Vinhos Brasileiros – tipos e estilos

Vale do São Francisco.
Vale do São Francisco.

Existem vários tipos de vinho. Quanto à cor, os vinhos podem ser brancos, rosados ou tintos; quanto ao teor de gás carbônico, podem ser tranquilos, frisantes, espumantes (tradicionais e moscatéis) ou gaseificados; quanto ao teor de açúcar (se vinhos tranquilos), são secos, meio secos, suaves ou doces. Se espumantes, classificam-se em natures ou extra-bruts, bruts, secos, meio secos e doces; quanto à elaboração, são leves, de mesa, licorosos, alcoolizados (secos ou doces), doces naturais ou compostos; quanto à capacidade de envelhecimento, são jovens ou de guarda; quanto à origem botânica da uva, classificam-se em finos e de mesa; quanto à elaboração, são varietais e de assemblage. Finalmente, quanto ao modo de estabilização, podem ser sem ou com passagem por barricas de madeira, ou ainda elaborados com adição de taninos.
Estas classificações são gerais e não exaustivas; também não foram consideradas certas subdivisões. Assim, outras classes ou subclasses podem ser agregadas, tornando bem maior o conjunto de tipos de vinho existentes pelo mundo.
Para cada tipo, existem distintos estilos de vinho. Os estilos podem estar ligados às características das regiões de origem das uvas, às inúmeras variantes da tecnologia enológica, ao toque pessoal do elaborador e até a abordagens puramente mercadológicas. A combinação de tipos e estilos é que torna o mundo do vinho tão vasto e complexo.
A concepção de conceitos de estilos de vinho e sua disseminação como peça de comunicação midiática é feita para destacar o caráter de diferenciação, realçar a qualidade e, assim, aumentar a notoriedade, que por sua vez é a base do sucesso comercial.
Nas duas últimas décadas, a mídia especializada tem difundido vários conceitos de estilo de vinho. Desse modo, é provável que o leitor já tenha lido ou ouvido falar de conceitos tais como vinhos emblemáticos, de autor, de garagem, de boutique, vinhos do gelo, do sol, vulcânicos, de xisto, etc. Recentemente foi até lançado nos Estados Unidos, por uma célebre terapeuta sexual, com grande impacto midiático, o ‘vinho do amor’.
As características geográficas naturais das regiões vitivinícolas constituem o fator de maior objetividade na demonstração da tipicidade e do estilo dos produtos. Por esta razão, conceitos de estilos ligados a elas tendem a obter maior credibilidade junto aos consumidores.
No Brasil, a produção vitivinícola no segmento dos vinhos finos é relativamente recente e os volumes são ainda limitados, principalmente considerando-se os novos polos de produção. Todavia, é possível estabelecer uma classificação dos estilos dos vinhos finos brasileiros, em função dos fatores naturais predominantes nas principais regiões vitivinícolas.
A classificação proposta neste artigo baseia-se em resultados de pesquisas conduzidas na Embrapa nos últimos dez anos. Nelas, estudou-se a caracterização do potencial enológico de uvas finas cultivadas em diferentes polos vitivinícolas, a qualidade e a tipicidade dos vinhos delas obtidas e o cruzamento desses resultados com as características climáticas predominantes em cada local de produção. Desse modo, podemos considerar que os estilos majoritários dos vinhos finos brasileiros são os seguintes.

 

Vinhos de Mosaico
É desse estilo o maior volume de vinhos finos brasileiros, produzidos na Serra Gaúcha, a maior e mais tradicional região vitivinícola do país. A produção vitivinícola situa-se a cerca de 29 graus de latitude Sul, 51 graus de longitude Oeste, entre 400 e 800 metros de altitude, sobre solos de origem basáltica, formando um verdadeiro mosaico de mesoclimas, paisagens, solos e condições particulares para o cultivo da videira, de onde a origem da expressão ‘Vinhos de Mosaico’.
A Serra Gaúcha não é uma região de montanha na acepção clássica do termo, mas uma região de relevo acidentado, de transição entre o Planalto dos Campos de Cima da Serra (a zona de maior altitude do estado do Rio Grande do Sul) e as regiões de menor altitude e relevo mais suave do centro do Estado. Estas, por sua vez, transformam-se pouco a pouco em planícies à medida que nos deslocarmos em direção à Argentina e Uruguai, até transformarem-se na imensa planície platina, o pampa sul-americano.
Os Vinhos de Mosaico são elegantes, acídulos e de estrutura, longevidade e teor alcoólico médios. Na Serra Gaúcha, predomina atualmente a elaboração de vinhos tintos. Os espumantes finos são os produtos de maior notoriedade e, não por acaso, sua produção e comercialização têm crescido forte e continuamente há vários anos, tendo inclusive impulsionado recentemente a produção de vinhos frisantes.
As características aromáticas gerais nos Vinhos de Mosaico são apresentadas a seguir.
Tintos tranquilos: mescla de aromas frutados (cereja, ameixa, groselha, nêspera), de especiarias (fungo, néctar, tâmaras, café) e vegetais (pimentão, pimenta, noz-moscada).
Brancos tranquilos: aromas florais (acácia, grinalda), mesclados a notas de frutado (abacaxi, mamão papaia, goiaba).
Espumantes tradicionais: aromas florais ou assemelhados (acácia, néctar) e fermentativos (levedura, massa de pão, manteiga) com suaves notas frutadas (aromas cítricos, melão, maçã verde) conferem a tipicidade aromática predominante dos espumantes da Serra Gaúcha.
Espumantes moscatéis: predominam aromas florais (acácia, laranjeira, rosa, gerânio), especiarias (mel, alecrim, sálvia), frutas cítricas (tangerina, lima, limão) e frutas em geral (abacaxi, maracujá, pitanga, mamão papaia).

 

Vinhos de Altitude
São produzidos nos planaltos de altitude de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, entre 900 e 1.350 metros acima do nível do mar, 27 e 28 graus de latitude Sul, 49 e 52 graus de longitude Oeste, sobre solos de origem basáltica e com influência oceânica variável sobre o clima. Nessas condições, o ciclo de produção das videiras é longo. O período de maturação das uvas pode chegar a quatro meses.
Os vinhos são relativamente encorpados, maduros, acídulos, untuosos, com teor alcoólico moderado, elegantes, harmônicos e longevos. Os tintos possuem altos teores de matéria corante e de taninos. Atualmente, predomina a produção de tintos e brancos tranquilos, mas está em expansão a produção de espumantes finos. Há inclusive uma pequena produção de vinhos de colheita tardia e licorosos.
As características aromáticas gerais nos Vinhos de Altitude brasileiros são as que seguem.
Tintos tranquilos: predomínio de aromas vegetais, frutados e de doces de frutas. Os principais descritores são vegetal, pimentão, ameixa, pêssego, cereja, mirtilo, cassis, frutas-passa, compota, mel.
Brancos tranquilos: predomínio de aromas frutados; notas florais são menos frequentes, dado o grau de maturação avançado no qual as uvas são colhidas. Os principais descritores são néctar, mel, goiaba, cítrico, maçã.
Espumantes: a presença de aromas florais mesclados a aromas de evolução (frutas maduras, especiarias) é a característica comum a esses vinhos. Ressalve-se que a produção de espumantes nessas regiões é um fenômeno muito recente, e que boa parte dos produtos é baseada em uvas tintas, tradicionalmente pouco usadas para esse tipo de produto.

 

Campanha, Vinhos do Pampa
No Brasil, os vinhos desse estilo são produzidos nas regiões da Serra do Sudeste e da Campanha, no estado do Rio Grande do Sul, entre 29 e 30 graus de latitude Sul e 52 e 55 graus de longitude Oeste, predominantemente sobre solos de origem granítica ou sedimentar. As regiões citadas fazem fronteira com o Uruguai e a Argentina, apresentam relevo suave ondulado, com predominância de verões quentes e secos e invernos frios e úmidos. Essas características influenciam fortemente o potencial enológico das uvas e a tipicidade e qualidade dos vinhos, constituindo o bioma que dá nome ao estilo ‘Vinhos do Pampa’.
Os Vinhos do Pampa são encorpados, maduros, untuosos, com teor alcoólico relativamente elevado, às vezes tânicos, potentes e longevos. Nessas regiões, predomina atualmente a produção de tintos. Também são produzidos alguns bons brancos tranquilos. A produção de espumantes finos é incipiente, com tendência de crescimento.
As características aromáticas gerais dos Vinhos do Pampa estão indicadas a seguir.
Tintos tranquilos: predomínio de aromas frutados e de especiarias. Os principais descritores são ameixa, mirtilo, tâmara, doce de frutas, mel, própolis, tabaco, fungo seco.
Brancos tranquilos: predomínio de aromas frutados, mesclados a notas florais. Os principais descritores são néctar, mel, pêssego, cítrico, guabiroba, lichia.
Espumantes: a presença de aromas florais mesclados a notas de evolução (mel, pão tostado, manteiga) parece ser a característica principal dos primeiros espumantes brasileiros desse estilo.

 

Vinhos Tropicais
As regiões vitivinícolas intertropicais são responsáveis por um novo conceito na enologia mundial: a enologia tropical. Nesse particular, a região brasileira do Vale do Rio São Francisco (ou Vale do Submédio São Francisco), situada nos estados de Pernambuco e Bahia, no polo Petrolina-Juazeiro, a 9,0 graus de latitude Sul, 40,0 graus de longitude Oeste, altitude entre 350 e 400 m e de clima semiárido, é atualmente o maior polo vitivinícola tropical brasileiro e um dos principais do mundo. A região possui um atributo singular: o clima vitícola com variabilidade intra-anual, que corresponde à região que, sob condição climática natural, muda de classe de clima vitícola em função da época do ano na qual a uva é produzida. Essa definição é aplicável às regiões onde é possível mais de um ciclo vegetativo por ano, o que aumenta o leque de possibilidades de elaboração de produtos, no que se refere a tipos e estilos.
O estilo dos Vinhos Tropicais pode variar segundo a variedade de videira, a época de colheita, o grau de maturação da uva e a técnica de vinificação empregada. Em geral os vinhos são alcoólicos, de acidez moderada, limitada intensidade aromática e, em relação à estrutura, apresentam grande variação, de leves a encorpados.
No vale do São Francisco, predomina atualmente a elaboração de vinhos tintos secos e espumantes tipo moscatel.
As características aromáticas gerais nos Vinhos Tropicais vão indicadas a seguir.
Tintos tranquilos: predominam aromas frutados e assemelhados (cereja, ameixa, compota, geleia) e de especiarias (tâmaras, café, condimentos).
Brancos tranquilos: aromas florais (acácia, grinalda), mesclados a notas de frutas tropicais (abacaxi, mamão papaia, manga, pitanga, caju, carambola).
Espumantes moscatéis: mesclam-se aromas florais (rosa, gerânio, jasmim) com especiarias (alecrim, sálvia) e frutas tropicais (abacaxi, maracujá, pitanga, carambola).

 

O Brasil possui um vasto território, com grande variedade de biomas. A produção de uvas finas, até há poucas décadas restrita basicamente à Serra Gaúcha, tem sido estendida a muitos outros locais, em todas as regiões do país. Desse modo, considera-se que a produção de diferentes tipos e estilos de vinhos finos é ainda um processo em construção. Assim sendo, é possível que, pelo desenvolvimento de novos polos de produção, outros estilos sejam formados. Por exemplo, poderá haver produção de Vinhos Tropicais de Altitude, elaborados com uvas produzidas em regiões tropicais altas. Além disso, algumas vinícolas já começam a elaborar vinhos com uvas de diferentes regiões e, por assemblage, criam produtos multiorigem, obtendo vinhos de estilo misto, como por exemplo vinhos de Mosaico e de Altitude (produzidos com assemblage de uvas da Serra Gaúcha e de regiões de altitude) ou outros.
* Artigo publicado na edição 147 da revista Bon Vivant.

 

Por Celito Crivellaro Guerra
Foto: Andréia Debon

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