Um dos fatores marcantes na viticultura brasileira é a frequente ocorrência de vírus nas diferentes regiões produtoras. Tal fato resulta em reduções na produtividade e na qualidade da uva. Além disso, as plantas infectadas perdem gradativamente o vigor, o que compromete o empreendimento vitícola. A presença de vírus nos vinhedos é mais evidente em tradicionais regiões produtoras brasileiras, onde os vinhedos foram, inicialmente, formados com material de baixa sanidade. No entanto, até hoje isto ocorre em vários lugares, quando os produtores implantam vinhedos utilizando material propagativo sem garantia de sanidade.
A principal medida de controle das viroses da videira baseia-se na utilização de material propagativo sadio do portaenxerto e da produtora. Como alguns vírus que afetam a videira podem ser latentes em muitas cultivares comerciais ou portaenxertos – ou seja, as plantas quando infectadas não mostram os sintomas característicos da doença –, é impossível identificar plantas sadias pela simples observação no campo.
Uma vez infectada por vírus, é impossível a uma planta ser ‘curada’ no campo, por exemplo, com o emprego de viricidas. Neste caso, um fator adicional de prejuízo é que as plantas infectadas servem de ‘fonte de inóculo viral’, o qual pode ser espalhado por insetos vetores, enquanto as plantas infectadas estiverem presentes nos vinhedos.
A principal forma de disseminação das viroses é por meio de material propagativo infectado, durante o processo de formação das mudas, independentemente do método de enxertia. Até o momento, não existe comprovação de que os vírus que infectam a videira sejam transmitidos por ferramentas de cultivo (ex. tesoura de poda).
Até a década de 1980, assumia-se que a disseminação dos vírus da videira ocorria exclusivamente por meio de material propagativo infectado, principalmente por meio de portaenxertos que não apresentavam sintomas. Entretanto, a partir da década de 80, começaram as descobertas de que algumas espécies de cochonilhas atuam como vetoras de vírus em videiras. Desde então, em diversos países vitícolas do mundo, incluindo África do Sul, Argentina, Austrália, Chile, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Nova Zelândia, Portugal e Uruguai, surgiram relatos da disseminação natural de vírus em vinhedos por diferentes espécies de cochonilhas. Nestes casos, foi observado que, com o passar dos anos, o número de plantas infectadas nos vinhedos aumentava ano a ano, sendo a dispersão diretamente associada à presença de cochonilhas.
Até o momento, foram identificadas nove espécies de cochonilhas farinhentas (em inglês, mealybugs), da família Pseudococcidae, e três de cochonilhas de carapaça (Coccidae), vetoras de seis vírus que infectam videiras e causam o enrolamento da folha da videira (GLRaV-1, -3, -5, -9, como se pode conferir na imagem abaixo à direita) e o complexo rugoso da videira (GVA, GVB). O detalhamento das espécies vetoras e dos vírus transmitidos é apresentado na tabela abaixo. À exceção do GLRaV-9, os demais vírus já foram detectados no Brasil e causam expressivos prejuízos econômicos. Devido à maior importância dos pseudococcídeos, em relação aos coccídeos, na transmissão de vírus em videira, neste artigo será dado destaque à abordagem da primeira família.
Muitos pseudococcídeos são espécies polífagas e cosmopolitas, ou seja, atacam diversas culturas economicamente importantes (citros, pessegueiro etc.) e utilizam plantas invasoras como hospedeiras alternativas, com destaque para a língua de vaca e guanxuma, entre outras. Dados de levantamento realizado em cachos de uva Vitis vinifera (50 cachos/vinhedo de 131 produtores) recebidos para processamento em vinícolas de Bento Gonçalves mostraram que cerca de 30% dos vinhedos avaliados estavam infestados com pseudococcídeos, incluindo três espécies reconhecidamente vetoras de vírus, com destaque para a cochonilha Planococcus citri (Morandi Filho et al., 2007). No entanto, as informações disponíveis sobre a ocorrência, a dispersão e a bioecologia destas espécies de cochonilhas em videiras no Brasil, e especificamente, na região vitícola da Serra Gaúcha, ainda são escassas, e trabalhos de pesquisa estão sendo conduzidos para conhecer a realidade local.
Exceção feita aos machos, que não se alimentam das plantas, os pseudococcídeos são insetos desprovidos de asas e, desta forma, apresentam relativa baixa mobilidade entre plantas. Porém, a dispersão da cochonilha também pode ocorrer pelo vento, principalmente nos primeiros instares (estádios ninfais), por formigas doceiras e pela atividade humana. Assim, na definição da importância epidemiológica deste tipo de vetor, é fundamental considerar todas as particularidades envolvidas no patossistema videira / cochonilha vetora / espécie viral.
Dispersão significativa demonstrada nos EUA
Dentre os dados disponíveis na literatura mundial, selecionamos um trabalho recentemente publicado por Golino et. al. (2008), para ilustrar a dispersão de vírus por cochonilhas num vinhedo de Cabernet Sauvignon localizado na Califórnia, EUA.
Os pesquisadores avaliaram, de 2002 a 2006, a dispersão do vírus do enrolamento (GLRaV-3) num vinhedo com 15.680 plantas, localizado ao lado de outro mais antigo e infectado por vírus. A incidência de plantas infectadas no vinhedo avaliado passou de 23,3% no primeiro ano de avaliação (2002) para 66,1% em 2006.
No padrão relatado de disseminação de vírus em videiras a campo, observa-se a dispersão, preferencialmente, entre plantas vizinhas dentro da linha de plantio, o que implica estar envolvida a atuação de um vetor ‘relativamente’ pouco móvel. Entretanto, quando se considera que a videira é uma planta perene, e que vinhedos comerciais permanecem no campo ao longo de muitos anos, conclui-se que mesmo vetores como as cochonilhas podem gerar epidemias com significativos impactos econômicos. Ou seja, o tamanho do ‘foco infeccioso’ está relacionado à presença de plantas com vírus no momento do plantio, à idade do vinhedo, à população de cochonilhas na área e à localização do vinhedo próxima a plantas infectadas.
No Brasil, inexistem trabalhos realizados sobre dispersão de vírus de videira em condições naturais (vinhedos). No entanto, já está demonstrada a transmissão dos vírus GLRaV-3 e GVB entre videiras pelas cochonilhas Pseudococcus longispinus e Planococcus citri, com taxas que variaram entre 41% e 64% (Kuniyuki et al., 2005, 2006). No geral, ninfas de primeiro instar são mais eficientes em adquirir o vírus a partir de videiras infectadas e também em transmiti-lo para uma planta sadia quando comparadas aos adultos.
Os seis vírus listados na tabela da página 12 são transmitidos de maneira semipersistente por cochonilhas vetoras. Isto significa que a cochonilha pode transmitir o vírus após permanecer de 1 a 24 horas na planta infectada, ocasião em que se alimentará na mesma e irá adquirir o vírus. A eficiência na transmissão pode aumentar com períodos de alimentação mais longos. Para inocular uma planta sadia, é suficiente que a cochonilha virulífera permaneça por um período de 1 a 24 horas na planta, período em que ela irá se alimentar e transmitir o vírus. Não há período latente neste processo, isto é, o inseto é capaz de transmitir o vírus logo após sua aquisição. As cochonilhas retêm a habilidade de transmitir os vírus por períodos de até quatro dias, perdem a capacidade de transmitir o vírus quando trocam de instar (crescem) e não passam o vírus aos descendentes.
As dificuldades verificadas para o controle das cochonilhas em videiras, quando as mesmas são vetoras, estão exatamente em evitar a transmissão do patógeno, pois o inseto pode transmitir o vírus à planta antes de ser afetado pela ação do inseticida. No caso de insetos-pragas, há conceitos que balizam um controle eficiente, tais como o ‘manejo integrado de pragas’ e o ‘nível de dano econômico’, ou seja, a cultura pode conviver com um certo nível de infestação da praga sem sofrer prejuízos econômicos significativos e, portanto, sem justificar a interferência com defensivos químicos. Quando o mesmo inseto é vetor de vírus, estes conceitos não são aplicáveis, pois uma única cochonilha pode ser capaz de eficientemente transmitir vírus. Douglas & Krüger (2006) observaram taxas de infecção de videira por GLRaV-3 na ordem de 70-75%, obtidas na transmissão utilizando-se apenas uma cochonilha/planta. Por todos estes aspectos, o controle de insetos vetores de vírus, seja cochonilha ou outro qualquer, é um tema importante, que demanda estudos específicos para cada situação, procurando definir questões como a eficiência e o alcance desta prática.
As cochonilhas da família Pseudococcidae caracterizam-se pelo aspecto farinhento resultante da secreção cerosa que cobre o seu corpo (como se pode conferir ao lado). Os insetos sugam seiva injetando toxinas, sendo sua presença facilmente notada, pois formam colônias de coloração branca farinhosa nos cachos, raízes, troncos e folhas da videira. As secreções do inseto contêm açúcares, que são aproveitados por formigas, servindo também como substratos para o desenvolvimento de fungos como a fumagina. A presença da cochonilha nos cachos aumenta significativamente o descarte da fruta para consumo in natura, sendo que, nos cachos destinados à exportação, caso seja identificada a presença da praga, pode haver restrições quarentenárias. Dependendo da espécie da cochonilha, podem ocorrer de duas a sete gerações durante o ciclo de desenvolvimento da videira.
Recomendações para o manejo
O controle das cochonilhas farinhentas tem sido uma prática pouco realizada pelos viticultores, pois, devido ao hábito do inseto de localizar-se nas raízes e/ou debaixo da casca das plantas, além de seu reduzido tamanho, dificilmente os produtores visualizam a praga na cultura. Alguns produtores, não tendo uma orientação específica para o manejo da praga, acabam utilizando técnicas de manejo recomendadas para outras culturas com as quais trabalham, ou então simplesmente não adotam qualquer método de controle. Quando a população de cochonilhas farinhentas nos parreirais é elevada, os produtores geralmente aplicam inseticidas fosforados, que são altamente tóxicos, pouco seletivos aos inimigos naturais e, ainda, possuem grande intervalo de carência, com possibilidade de deixar resíduo nos frutos.
Por este motivo, é importante que os viticultores aprendam a identificar a presença das cochonilhas farinhentas nos vinhedos. Um período adequado para realizar a vistoria é o momento da colheita. Deve-se atentar para a presença de formigas, que, normalmente, encontram-se associadas às cochonilhas. Em caso de elevada infestação, o manejo do inseto tem sido recomendado através do tratamento de inverno (nos meses de junho e julho) com calda sulfocálcica, aplicação localizada de inseticidas neonicotinóides via solo e eliminação de plantas hospedeiras presentes no vinhedo.
O tema manejo de insetos vetores de vírus é um desafio da viticultura mundial. É importante ressaltar que, caso o vinhedo não possua plantas infectadas com vírus, não há como ocorrer a transmissão do patógeno pela cochonilha. Por este motivo, o emprego de material propagativo livre de vírus ainda é a melhor estratégia a ser adotada para o início de um novo empreendimento vitícola.
* Pesquisadores, respectivamente, das áreas de Virologia Vegetal e de Entomologia, na Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves, RS
Por Thor Vinícius Martins Fajardo e Marcos Botton*
Foto: Marcos Botton, Aline Bertin e Wilson M. Filho / Divulgação