Viticultores expostos a agroquímicos e o risco de danos ao DNA

Juliana da Silva proferiu palestra sobre o assunto em Bento Gonçalves.
Juliana da Silva proferiu palestra sobre o assunto em Bento Gonçalves.

A produção de uvas é uma importante atividade econômica da região nordeste do Estado do Rio Grande do Sul. Nesta atividade são utilizadas misturas complexas de agroquímicos para a proteção da plantação, mas que representa um potencial risco à saúde humana dos indivíduos expostos a esses produtos.

 

O projeto Análises Toxicológicas e Genotóxicas em Viticultores e Identificação de Resíduos de Agroquímicos em vinhos da Região de Caxias do Sul-RS, aprovado no Edital Plano Sul de Pesquisa/CNPq, coordenado pelo Dr. João Antonio Pegas Henriques, foi desenvolvido de 2001 a 2003. Este projeto contou com a colaboração de diferentes Instituições de Ensino Superior: Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS, Universidade de Caxias do Sul-UCS e Universidade Luterana do Brasil- ULBRA. Os artigos científicos das principais análises foram publicados em 2008 e existem ainda dados que estão sendo publicados. A equipe envolvida: Juliana da Silva, Camila R. Moraes, Vanina D. Heuser,Vanessa M. Andrade, Fernanda R. Silva, Kátia Kvitko,Vanessa Emmel, Paula Rohr, Diana Lilian Bordin, Ana Cristina Andreazza, Mirian Salvador, João A.P. Henriques e Bernardo Erdtmann.

 

Sobre a iniciativa
Quanto à iniciativa ocorreu uma excelente aceitação dos agricultores, todos queriam participar do projeto, afinal o tema agrotóxico sempre interessa. O que colaborou muito para o desenvolvimento do estudo foi o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul por estar sempre realizando campanhas de conscientização do uso de agrotóxicos e equipamentos. Conforme o próprio presidente do sindicato na época, Raimundo Bampi, os produtores consideram os agrotóxicos como “remédios” para suas lavouras.
A pesquisa utilizou metodologias bioquímicas (estresse oxidativo) e de detecção de lesões ao DNA (ensaios citogenéticos e moleculares). Os indivíduos ainda foram genotipados para se correlacionar os resultados dos ensaios com a suscetibilidade genética. Os sistemas de metabolização e reparo de DNA são importantes moduladores dos efeitos da exposição a substâncias genotóxicas (danosas ao DNA).

 

Neste estudo foram envolvidos ao todo 173 indivíduos (homens) da região de Caxias do Sul (RS), sendo 108 agricultores e 65 indivíduos controle (não expostos a pesticidas). O grupo controle foi coletado no mesmo período do grupo exposto. Na região de Caxias do Sul a aplicação dos agrotóxicos é realizada de forma geral sobre a cabeça, com bomba manual. O tempo médio de exposição do grupo dos agricultores foi de 30 anos de exposição, sendo que no período das coletas eles se expunham de uma a três vezes por semana. Os agricultores apresentavam em média em torno de 40 anos, isto é, estando expostos desde a infância. Quanto ao uso de equipamentos de proteção, em torno de 90 % alegaram fazer uso de algum tipo de proteção (luvas, capas, óculos, botas, máscaras…). Destes apenas 36% afirmam utilizar estes equipamentos de forma completa, isto é utilizando a máscara.

 

Os produtos mais aplicados
Os dados obtidos nas entrevistas mostraram que os pesticidas mais aplicados pelos produtores rurais foram os fungicidas (68,46%), seguido dos inseticidas (51,20%). Os herbicidas foram os pesticidas menos aplicados pelos produtores rurais (38,73%). Estes compostos não fazem parte dos grupos inibidores da enzima colinesterase, mas ainda assim podem ser considerados tóxicos para o ser humano, pois abrangem a classe dos bipiridílios, capazes de gerar o espécies reativas de oxigênio como o radical superóxido e levar a danos oxidativos.

 

Para os resultados das análises sangüíneas (estresse oxidativo) pode-se observar que 51,72% dos produtores rurais apresentaram valores acima dos considerados normais para os produtos de reação ao ácido tiobarbitúrico (TBARS). Quanto à determinação dos percentuais de inibição de colinesterase sérica, observou-se que 44,82% agricultores apresentaram valores abaixo dos padrões de referência, sendo que destes aproximadamente 54% utilizam inseticidas organofosforados e 46% usam carbamatos.

 

Danos ao organismo
Em relação aos danos induzidos ao DNA (material genético) verificou-se que todos os agricultores apresentaram algum tipo de lesão. Observaram-se diferentes frequências de danos, sendo a média de 11% das células de cada agricultor com lesões ao material genético. Os agricultores expostos apresentaram aproximadamente seis vezes mais lesões ao DNA que o grupo não exposto aos agrotóxicos. Estas lesões podem induzir câncer e problemas reprodutivos. Dentre os diferentes polimorfismos avaliados, verificou-se que os indivíduos com o genótipo determinado genótipo (PON1 Gln/Gln) apresentaram em geral maior suscetibilidade aos danos ao DNA. A proteína codificada pelo gene PON1, a paraoxonase, é responsável principalmente pela metabolização de organofosforados. Estes indivíduos com maior suscetibilidade apresentaram em torno de 1,4 vezes mais lesões ao material cromossômico que os outros. Aproximadamente 50% dos agricultores apresentaram o genótipo PON1 Gln/Gln, estando assim de certa forma geneticamente mais protegidos.

 

Mesmo não sendo completamente confiável a alegação de equipamentos de forma completa, podemos observar que aqueles que afirmaram não fazer uso de máscaras apresentavam em média 5% mais dano ao DNA que aqueles que afirmaram fazer uso das máscaras. Estes resultados são preocupantes, ainda mais se considerarmos que estamos falando de agricultores com um maior nível de conscientização, que foram voluntários e que estão sempre em contato com o sindicato.

 

Conscientização 
Estes resultados foram utilizados como instrumento para a conscientização dos produtores rurais junto às campanhas do sindicato que incentivavam o uso de equipamentos de segurança e implantação de um sistema de rodízio para a aplicação dos agrotóxicos em suas propriedades. Vários destes testes podem ser introduzidos na rotina de laboratórios para monitoramento de trabalhadores expostos a agentes químicos, sendo mais apropriados que o tradicional (inibição de acetilcolinesterase). Estas avaliações consideram aspectos diferentes nos indivíduos envolvidos, como ao nível fisiológico, ao nível do material genético (DNA), bem como a susceptibilidade biológica natural a determinados químicos. Os dados podem servir para avaliar se os sistemas de proteção são realmente efetivos, e em caso negativo, para desenvolver métodos mais eficientes.

 

Por Juliana da Silva / Geneticista e professora da Universidade Luterana do Brasil
Foto: Giovani Capra / Divulgação Embrapa Uva e Vinho

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