Produtores gaúchos pedem atualização da legislação trabalhista rural durante audiência pública

Audiência pública durante a 20ª Jornada da Viticultura escancara tensão após denúncias de trabalho análogo à escravidão; Projeto de Lei busca desburocratizar contratação temporária no campo

 

Um debate acalorado marcou a audiência pública realizada a última sexta-feira (18), durante a 20ª Jornada da Viticultura, em Flores da Cunha (RS), sobre a contratação de mão de obra rural temporária e o Projeto de Lei 761/2025, de autoria do deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS), que presidiu o encontro. O evento reuniu centenas de agricultores, lideranças sindicais, parlamentares estaduais e representantes de órgãos públicos, como o Ministério do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul (MTE-RS).

No centro das discussões esteve a proposta de atualização da Lei nº 5.889/1973, que regulamenta o trabalho rural. O PL 761/2025 visa flexibilizar e desburocratizar a contratação temporária de trabalhadores por pequenos produtores, permitindo contratos de até 120 dias ao ano, com registro em sistema eletrônico simplificado e isenção de exames médicos e programas ocupacionais. A proposta, segundo seus defensores, busca atender às especificidades da agricultura familiar, que responde por 70% dos empregos no campo.

O debate ultrapassou os aspectos técnicos do projeto. O clima foi intensificado por críticas dos produtores a ações de fiscalização do Ministério do Trabalho, em 2023, que flagraram trabalhadores em condições análogas à escravidão na Serra Gaúcha, o que deixou marcas profundas na imagem do setor. Muitos produtores alegam que foram tratados como criminosos e clamam por justiça e reconhecimento da realidade do campo.

“Nós precisamos ter a coragem de alterar essa legislação, mas não punir os nossos agricultores. Fazer com que o nosso agricultor tenha tranquilidade e não seja abordado pior do que bandido. Nos acusam daquilo que nós nunca fomos, abusadores dos trabalhadores”, declarou o deputado estadual Guilherme Pasin (Progressistas-RS).

Na mesma linha, o produtor Raimundo Bampi fez um apelo ao relatar que trabalhadores retornam por diversas safras à sua propriedade. “Se fosse ruim, eles não voltariam. Um deles até se formou técnico agrícola com o dinheiro que ganhou em três safras. E mesmo assim, na mídia e na opinião pública, o agricultor virou bandido”, lamenta.

O vice-presidente da FETAG-RS, Eugênio Zanetti, também criticou a generalização de casos isolados e defendeu a formalização com menos entraves. “A agricultura familiar está envelhecendo, há escassez de mão de obra. Precisamos contratar, mas sem um sistema engessado que torne isso inviável”, ponderou.

O PL 761/2025 pretende atender a esse apelo, como frisou o autor, Heitor Schuch. “Estamos propondo um modelo mais simples, seguro, que preserve direitos, mas se adeque à realidade da agricultura de pequeno produtor, que muitas vezes depende da contratação por poucos dias, de forma intercalada ao longo do ano”, explicou.

Ainda assim, o projeto enfrenta questionamentos, especialmente de setores jurídicos e sindicais ligados ao trabalho. O superintendente do MTE-RS, Claudir Nespolo, reconheceu a necessidade de atualização das normas, mas alertou para os riscos de flexibilizações excessivas. “O medo do agricultor de perder a terra por um processo trabalhista é legítimo, mas a legislação precisa proteger ambos os lados. A informalidade e a ausência de exames médicos geram insegurança jurídica e riscos à saúde do trabalhador.”

Outro ponto polêmico foi a relação entre o Bolsa Família e a contratação formal de safristas. Autoridades locais, como o prefeito de Flores da Cunha, César Ulian, defenderam maior autonomia municipal e questionaram o desequilíbrio entre a autodeclaração do benefício social e as exigências para contratação no campo. “Se um beneficiário pode se autodeclarar vulnerável, por que o agricultor não pode se autodeclarar empregador responsável?”, indagou.

A audiência teve ainda falas técnicas e emocionadas de lideranças como Cedenir Postal, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, que cobrou soluções práticas para gargalos burocráticos. “O E-Social Simplificado não é tão simples. Temos muitos obstáculos, como laudos caros e exigências que não cabem na dinâmica da safra.”

O presidente da Consevitis-RS, Luciano Rebellatto, defendeu cautela com os termos usados. “Falar que o setor escraviza, eu considero muito forte. Eu acho que vamos ter um certo cuidado de não usar essa nomenclatura e passar a usar no máximo a informalidade porque eu não vejo nenhum agricultor escravizando”.

Ao final do encontro, ficou clara a convergência entre diferentes setores sobre a necessidade de atualizar a legislação trabalhista rural. O desafio, contudo, será equilibrar segurança jurídica, proteção ao trabalhador e viabilidade produtiva. “A lei precisa acompanhar a realidade do campo”, sintetizou o deputado estadual Elton Weber (PSB-RS), cobrando urgência na tramitação da proposta, que segue em análise na Câmara dos Deputados.

A 20ª Jornada da Viticultura foi promovida pela Associação da Comissão Interestadual da Uva e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flores da Cunha e Nova Pádua.

 

 

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