No dia 22 de outubro, data em que se comemora o Dia do Enólogo, o Portal A Vindima celebra a profissão que traduz ciência, sensibilidade e paixão em cada taça. Para marcar a data, o portal entrevistou Mário Lucas Ieggli, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), instituição que desde 1976 vem fortalecendo a vitivinicultura nacional e impulsionando o reconhecimento dos profissionais que assinam o vinho brasileiro.
Com exclusividade, Ieggli falou sobre a evolução da enologia no país, as conquistas da ABE, os novos terroirs, os desafios da profissão e o futuro promissor da vitivinicultura brasileira.
A Vindima – Dia do Enólogo celebra não apenas uma profissão, mas a essência do vinho. Como você define o papel do enólogo no cenário vitivinícola brasileiro atual?
Mário Lucas Ieggli – O enólogo deixou de ser aquele profissional restrito à vinificação. Hoje, ele é um protagonista em todo o processo que dá origem ao vinho. Atua desde o cultivo das uvas, lado a lado com o engenheiro agrônomo, acompanhando cada ciclo da videira, até a condução dos trabalhos dentro da vinícola — da chegada das uvas à elaboração, engarrafamento e armazenamento.
Mas o enólogo vai além da técnica. Ele é também o artista do vinho, responsável por traduzir o terroir em sensações, e, por isso, passou a ter papel importante também na comunicação e no marketing do setor, contribuindo para a promoção e valorização do vinho brasileiro. É um gestor de processos e de relações, um multiplicador de conhecimento e um agente ativo no enoturismo, tão essencial para a sustentabilidade das vinícolas, especialmente as de pequeno porte. Ao mesmo tempo, é um profissional que precisa se manter em constante atualização, acompanhando tendências, estudando e se aperfeiçoando para responder a um mercado cada vez mais exigente e dinâmico.
A Vindima – Desde 1976, a ABE tem sido uma voz fundamental para o reconhecimento e fortalecimento da enologia no Brasil. Quais foram as maiores conquistas institucionais até hoje?
Mário Lucas Ieggli – Entre as maiores conquistas da ABE está o reconhecimento e a valorização da profissão de enólogo, consolidando a entidade como uma referência nacional que vai muito além da representação de classe.
Hoje, a ABE é uma instituição que promove o vinho brasileiro e toda a cadeia produtiva da uva e do vinho, com ações que elevam o setor a um novo patamar. Entre os marcos dessa trajetória estão a criação da Avaliação Nacional de Vinhos, considerada a maior degustação de vinhos de uma safra do mundo, o Concurso do Espumante Brasileiro, único dedicado exclusivamente aos espumantes nacionais, e o Brazil Wine Challenge, de caráter internacional.
Outro destaque é a Revista Brasileira de Enologia, única publicação técnico-científica do setor no país, e a estruturação das regionais da ABE, que ampliaram a presença da entidade em diferentes estados, fortalecendo o vínculo com os enólogos e aproximando ainda mais a associação de seus associados em todo o Brasil.
A Vindima – O Brasil vive um momento de expansão vitivinícola, com novos terroirs surgindo do Nordeste ao Sudeste. Como a ABE enxerga o protagonismo dos enólogos nessas novas fronteiras?
Mário Lucas Ieggli – É motivo de grande orgulho ver os enólogos brasileiros não apenas cumprindo seu papel, mas aprendendo e evoluindo com cada terroir e cada safra. O Brasil é o único país do mundo com tamanha diversidade de solos e climas, e tem mostrado que é possível elaborar vinhos de alta qualidade em diferentes regiões, da Campanha Gaúcha ao Vale do São Francisco, do Planalto Catarinense ao interior de Minas Gerais.
Essa conquista é fruto da competência, versatilidade e conhecimento técnico dos nossos profissionais, aliados à criatividade e à pesquisa constante. O enólogo brasileiro aprendeu a dialogar com cada território, a compreender suas especificidades e a extrair o melhor de cada videira, traduzindo isso em identidade dentro da taça. É lindo ver a cultura do vinho se espalhando pelo país, fortalecendo comunidades, movimentando economias locais e valorizando histórias e pessoas. A vitivinicultura brasileira é, antes de tudo, uma expressão de diversidade e desenvolvimento sustentável.
A Vindima – A formação do enólogo brasileiro evoluiu muito nos últimos anos. Que avanços em capacitação, pesquisa e intercâmbio internacional merecem destaque?
Mário Lucas Ieggli – A educação caminha lado a lado com o mercado, e isso tem feito toda a diferença na formação dos enólogos brasileiros. Hoje, a relação entre universidades e vinícolas é muito mais próxima, permitindo aliar teoria e prática de forma contínua.
As parcerias internacionais também têm se fortalecido, promovendo intercâmbios significativos entre universidades e vinícolas de diferentes países. Esses jovens profissionais voltam com novas ideias, técnicas e visões de mundo, que logo são adaptadas à nossa realidade produtiva, enriquecendo o mercado brasileiro.
Além disso, vemos avanços em pesquisa aplicada, inovação tecnológica e programas de pós-graduação voltados à vitivinicultura, o que amplia o conhecimento científico e contribui diretamente para a evolução dos vinhos nacionais. A ABE tem sido uma importante ponte entre a academia e o setor produtivo, estimulando esse diálogo e incentivando a formação contínua dos enólogos em todo o país.

A Vindima – A ABE realiza eventos de referência, como o Concurso do Vinho Brasileiro e o Concurso do Espumante Brasileiro. Como essas iniciativas fortalecem a imagem dos enólogos e a qualidade do vinho nacional?
Mário Lucas Ieggli – Os concursos promovidos pela ABE têm um papel essencial no fortalecimento técnico e na valorização do vinho brasileiro. Mais do que reconhecer rótulos, eles funcionam como ferramentas de avaliação e aprimoramento contínuo, permitindo que os enólogos confrontem resultados, troquem experiências e aprimorem seus processos a cada edição.
Eventos como o Concurso do Espumante Brasileiro são realizados com rigor técnico e metodologia reconhecida internacionalmente, o que garante credibilidade e consolida a ABE como uma referência na análise sensorial e na promoção da qualidade.
O Brazil Wine Challenge, por exemplo, é o único do Brasil com chancela da OIV – Organização Internacional da Vinha e do Vinho. Essas iniciativas também projetam a imagem do enólogo como protagonista da evolução do vinho nacional, mostrando que por trás de cada medalha há estudo, pesquisa e sensibilidade.
A Vindima – Apesar da crescente valorização do vinho brasileiro, ainda há desafios para o reconhecimento do enólogo perante o mercado e o consumidor. Quais são as principais lutas da categoria hoje?
Mário Lucas Ieggli – As lutas são muitas, mas talvez a principal esteja na construção da percepção do consumidor sobre o papel do enólogo. Ainda é preciso ampliar o entendimento de que atrás de cada rótulo há um profissional que traduz a terra, o clima e a uva em forma de vinho.
Costumamos dizer que todo vinho carrega a marca da dedicação de um enólogo — e é justamente essa conexão que precisa ser mais valorizada. Para isso, é fundamental estimular o consumo consciente e curioso, convidando o público a provar diferentes rótulos, uvas, regiões e estilos.
Outra frente importante é o fortalecimento da categoria como profissão regulamentada e respeitada, com acesso a oportunidades de qualificação, intercâmbio e representação em todo o país. A ABE trabalha para que o enólogo seja cada vez mais visto como o que realmente é: um agente de transformação do setor vitivinícola brasileiro.
A Vindima – O reconhecimento internacional dos vinhos brasileiros tem crescido. De que forma esse movimento tem impulsionado também o prestígio dos nossos enólogos fora do país?
Mário Lucas Ieggli – O reconhecimento internacional dos nossos vinhos é, acima de tudo, o reconhecimento da competência dos enólogos brasileiros. Cada medalha conquistada em concursos pelo mundo reflete o talento, o estudo e a sensibilidade de profissionais que aprenderam a interpretar nossos terroirs com excelência.
Hoje, o enólogo brasileiro é visto com admiração e respeito no cenário global. Muitos participam como jurados em concursos internacionais, outros realizam intercâmbios técnicos e projetos de cooperação com vinícolas de diferentes países, levando consigo o nome do Brasil e, ao mesmo tempo, trazendo novos aprendizados que fortalecem o nosso setor.
A Vindima – A sustentabilidade tornou-se uma exigência global. Como o enólogo tem participado desse processo de transformação ambiental e ética dentro das vinícolas brasileiras?
Mário Lucas Ieggli – A sustentabilidade hoje faz parte da rotina e da consciência do enólogo brasileiro. Ele deixou de olhar apenas para a uva e o vinho, passando a compreender todo o ecossistema que envolve a produção — do manejo do solo à destinação dos resíduos, do uso racional da água e da energia ao bem-estar das pessoas envolvidas no processo.
Cada vez mais, o enólogo atua como gestor de práticas sustentáveis, incorporando tecnologias limpas, promovendo o reaproveitamento de subprodutos e incentivando o uso de insumos de menor impacto ambiental.
Essa visão se estende também ao campo ético e social, valorizando a mão de obra, o comércio justo e o vínculo com a comunidade. O resultado é um vinho mais responsável, transparente e alinhado com o futuro, fruto de um setor que entende que sustentabilidade não é tendência, mas compromisso.
A Vindima – O setor tem recebido uma nova geração de profissionais. Qual é a percepção da ABE sobre o interesse dos jovens na enologia e os caminhos para manter essa formação contínua?
Mário Lucas Ieggli – É muito gratificante ver o crescente interesse dos jovens pela enologia. Eles chegam cheios de curiosidade, propósito e vontade de aprender, e isso renova o setor.
A ABE tem acompanhado de perto essa nova geração, oferecendo oportunidades de integração e aprendizado prático. Um exemplo disso é a Avaliação Nacional de Vinhos, onde os estudantes dos cursos de Enologia participam ativamente do serviço do vinho durante o evento. Essa vivência é transformadora — eles têm contato direto com enólogos experientes, produtores e degustadores, e vivenciam na prática a grandeza da profissão.
A Vindima – Olhando para o futuro, qual é o papel da ABE e da enologia brasileira na consolidação do país como referência mundial em vinhos e espumantes?
Mário Lucas Ieggli – O futuro da enologia brasileira é promissor e desafiador ao mesmo tempo. Cabe à ABE seguir cumprindo seu papel de integração, conhecimento e promoção, conectando profissionais, universidades, produtores e instituições em torno de um mesmo propósito: fazer o vinho brasileiro crescer em qualidade, identidade e reconhecimento.
Temos um país com uma diversidade de terroirs única no mundo e uma geração de enólogos altamente qualificada, que une técnica, sensibilidade e criatividade. A ABE é a voz e o ponto de convergência dessa força coletiva, garantindo que o Brasil siga evoluindo de forma consistente, ética e sustentável.
O que o mundo começa a descobrir agora, nós já sabemos há muito tempo: o vinho brasileiro é resultado de pessoas apaixonadas, de um território generoso e de uma enologia que acredita no futuro.
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