Ciência, vinho e saúde: os achados que podem redefinir a relação entre uva e longevidade, segundo o cardiologista Protásio Lemos da Luz

Cardiologista referência internacional explica como polifenóis atuam no organismo, por que o consumo moderado tem respaldo científico e como novos estudos podem influenciar a cadeia vitivinícola

 

O cardiologista Protásio Lemos da Luz, uma das vozes mais respeitadas da medicina brasileira, esteve em Flores da Cunha nesta segunda-feira (24) para apresentar a palestra “Estudo dos Efeitos do Consumo Moderado de Vinho”, em evento realizado pela Câmara Setorial da Uva e do Vinho. A vinda do especialista foi viabilizada pelo Consevitis-RS, com apoio institucional do Sicredi, que também contribui para o desenvolvimento científico e financeiro das pesquisas conduzidas pelo cardiologista.

Antes da apresentação, concedeu entrevista exclusiva ao Portal A Vindima, na qual revisitou mais de duas décadas de pesquisas que aproximam a ciência do vinho e ajudou a traduzir, com rigor e franqueza, como uvas, polifenóis, vinho moderado e suco integral repercutem no organismo humano. Os resultados, segundo ele, não apenas possuem base científica consistente, como também abrem perspectivas relevantes para o setor vitivinícola brasileiro.

Dr. Protásio explica que seu interesse pelo tema não surgiu pelo vinho em si, mas pelo desejo de compreender a evolução da aterosclerose – processo responsável pelo “endurecimento” e envelhecimento das artérias. Ele estudava a chamada teoria oxidativa, que relaciona a oxidação do LDL, o “colesterol ruim”, ao desenvolvimento de placas dentro dos vasos. Ao buscar substâncias antioxidantes que poderiam interferir nesse processo, encontrou evidências sobre o vinho tinto. “Lendo a literatura, eu percebi que o vinho tinha um efeito antioxidante. Aí me lembrei da nossa região: aqui se consome vinho o tempo inteiro. Então resolvi testar”, contou.

Os primeiros experimentos foram realizados em coelhos alimentados com dietas ricas em colesterol, modelo clássico para estudar formação de placas ateroscleróticas. Os animais que receberam vinho apresentaram uma redução significativa dessas placas. O resultado ganhou um componente adicional quando o álcool foi removido: mesmo após evaporar totalmente o teor alcoólico e administrar apenas os compostos não alcoólicos da bebida, houve redução do dano arterial, ainda que em intensidade um pouco menor. A constatação de que parte do efeito vinha dos polifenóis – e não apenas do álcool – abriu espaço para estudos mais amplos envolvendo seres humanos.

Em ensaios clínicos com voluntários jovens portadores apenas de hipercolesterolemia, o pesquisador investigou a vasodilatação endotelial, uma medida que indica a capacidade das artérias de se “abrirem” adequadamente para facilitar o fluxo sanguíneo. Quando essa flexibilidade diminui, o risco cardiovascular aumenta, mesmo na ausência de sintomas. “Observamos que o consumo de vinho tinto por duas semanas melhorava a vasodilatação endotelio-dependente. E isso nós observamos também com o suco de uva”, relatou. Em termos simples, o vinho e o suco contribuíram para que as artérias reagissem com maior saúde, como vasos mais “jovens”. A ação antioxidante e anti-inflamatória dos polifenóis, especialmente dos presentes na casca da uva tinta, foi apontada como a principal responsável por esse resultado.

O grupo também realizou experimentos com ratos submetidos a exercícios físicos. Tanto o vinho quanto o resveratrol em altas doses aumentaram a capacidade de esforço e melhoraram a reatividade vascular. Esses dados confirmam, segundo o médico, que a uma combinação de hábitos saudáveis – atividade física, dieta equilibrada, não fumar e consumo moderado de vinho – produz efeitos superiores a qualquer suplemento ou terapia isolada. “Uma taça de vinho junto às refeições como estilo de vida — isso nunca se associou a malefício algum nas populações que estudamos”, reforçou.

Os estudos publicados por Dr. Protásio e de médicos de outros países também avançaram para outras áreas além das artérias. Pesquisas indicam efeitos positivos dos polifenóis na proteção contra o envelhecimento das artérias; na redução de processos inflamatórios relacionados a diabetes, hipertensão e obesidade; na proteção cerebral contra Alzheimer, demência e degeneração macular; na modulação da flora intestinal; e na prevenção de doenças não cardíacas, como úlcera duodenal e hiperplasia prostática benigna. Esses mecanismos fisiológicos, explica o pesquisador, ajudam a compreender por que populações tradicionais consumidoras de vinho tinto apresentam menor incidência de doenças crônicas. Os benefícios decorrem não apenas do álcool, mas principalmente dos compostos fenólicos da uva.

Ao mesmo tempo em que reforça os efeitos positivos, Dr. Protásio é claro ao distinguir benefício de abuso. O consumo moderado – definido como cerca de uma taça e meia por dia, com aproximadamente 12 a 13 gramas de álcool por dose – está associado a menor mortalidade cardiovascular. Já o excesso, superior a 30 gramas diárias, aumenta o risco de câncer, suicídio, acidentes e doenças hepáticas. O cardiologista ressalta ainda que mulheres metabolizam o álcool mais lentamente e, portanto, necessitam de doses menores. Além disso, o consumo deve ser evitado para pessoas com arritmias, insuficiência cardíaca, doenças hepáticas ou diabetes descompensado.

A fronteira atual da pesquisa conduzida pelo cardiologista está na proteômica, metabolômica e lipidômica, campos da medicina de precisão que analisam como o organismo reage às substâncias presentes no vinho e no suco de uva em nível molecular. O objetivo é identificar marcadores precoces de doenças coronárias. “Minha hipótese é que o suco de uva tem efeito protetor na parte de proteínas. Estou estudando suco para análises de proteômica, metabolômica e lipidômica”, afirmou.

O setor também observa com interesse o avanço dos vinhos desalcoólicos no mundo. Para o pesquisador, a lógica permanece a mesma: são os polifenóis que importam. No entanto, ele considera que o suco de uva natural permanece sendo “o melhor” entre os produtos não alcoólicos, tanto do ponto de vista nutricional quanto científico. Apesar do modismo, Dr. Protásio ressalta que muitos produtos do mercado precisam comprovar seus efeitos além da retórica comercial.

A entrevista, concedida com a franqueza que caracteriza sua carreira, reforça que os efeitos benéficos do vinho moderado têm respaldo fisiológico claro e replicado em diferentes modelos experimentais. E indica também que o futuro da pesquisa no setor vitivinícola está em compreender não apenas o álcool, mas a riqueza química da uva e seu potencial para aplicações na saúde humana. Para uma cadeia produtiva que busca diferenciação, inovação e embasamento científico, os achados de Dr. Protásio Lemos da Luz constituem uma contribuição rara: transformam décadas de estudo em informação acessível, sólida e imediatamente aplicável ao debate público e ao desenvolvimento do setor.

 

Dr Protásio Luz durante palestra em Flores da Cunha (RS)

 

Dra Fernanda Spinelli e Dr Protásio durante sessão de perguntas

Quem acompanha o Portal A Vindima por e-mail terá acesso antecipado a artigos exclusivos sobre os temas mais relevantes da vitivinicultura brasileira! Cadastre-se no campo ‘Receba as notícias por e-mail e fique atualizado’ no final desta página!

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Setor debate efeitos da deriva, necessidade de ação do MAPA e ajustes finais na Lei 7.678/1988; grupo de trabalho será...
Primeiro dia da feira reúne produtores, pesquisadores e empresas com foco em manejo, inovação e sustentabilidade da vitivinicultura brasileira...
Sistema testado pela NAPI Inova Vitis avalia três tipos de lonas reforçadas para proteger parreirais e apontar soluções para um...