ARTIGO – Vinho natural ou cultural?

Carlos Raimundo Paviani
Diretor do Portal A Vindima

Há uma discussão na vitivinicultura mundial em função da denominação ‘natural’. Afinal, existe vinho natural? A expressão é usada para contrapor processos de elaboração, colocando de um lado os vinhos elaborados com uso de leveduras selecionadas e corrigidos por aditivos ou coadjuvantes e, de outro, vinhos elaborados de forma mais rústica, com leveduras nativas, sem adição de aditivos e sem filtragem ou outros processos físico-químicos. Dessa forma, teríamos, de um lado, um vinho ‘elaborado de forma industrial’ ou ‘não artesanal’ contra um vinho ‘natural’, ou com ‘mínima intervenção’. O único produto que ambos estilos de produção de vinhos permitem é o uso de SO² (dióxido de enxofre), usado como conservante ou antioxidante, variando sua quantidade.

Então, o que seria um vinho natural? É aquele que não passaria por nenhum processo físico, químico ou biológico conduzido pela mão do homem. Vejamos: um vinho natural é o resultado de um processo espontâneo chamado fermentação alcoólica em que os açúcares do suco de uva se transformam em álcool. Se este produto não sofrer nenhuma intervenção, o passo seguinte será sua oxidação e, provavelmente, o surgimento de uma segunda fermentação natural, chama de fermentação acética, causada por aceto-bactérias transformando o álcool em ácido acético, derivando-se o vinagre. Este novo produto, não sofrendo novamente nenhuma intervenção física, química ou biológica, irá decantar e, com o tempo, terá todas suas partículas sólidas – inclusive pigmentos – depositadas ao fundo e seu líquido se convertendo em algo sem cor, aroma ou sabor. Ou seja, o caminho que a natureza conduz é: suco → vinho → vinagre → água com depósito.

Claro que estamos falando de processos naturais em que nenhuma intervenção física como engarrafamento para proteger da ação do oxigênio ou da luz foi realizada. Ou seja, o natural é o suco de uva se transformar em vinho, este sem a intervenção humana, deverá converter-se em vinagre e depois em água com sedimentos. Portanto, poder-se-ia dizer que não existe vinho natural. Ou seja, ele surge naturalmente, mas para que possa ser conservado, tem que sofrer pelo menos intervenções físicas. É necessário protegê-lo do ar e da luz. Em qualquer caso, o vinho é cultural. Sem intervenção humana, sem o conhecimento e uso de tecnologia, seja ela no mínimo física, seja para elaborar ou para guardar, o vinho não se mantém por muito tempo como vinho.

Natural ou cultural?

A relação entre o natural e o cultural é um dos debates mais fascinantes da filosofia e das ciências humanas. Em geral, o “natural” refere-se a elementos que existem independentemente da ação humana, como leis da física, ciclos biológicos ou instintos. Já o “cultural” envolve tudo o que é construído, modificado ou interpretado pelas sociedades, pela mão do homem, como costumes, crenças, linguagem, arte e tecnologia. Pode-se dizer que tudo o que não é natural é cultural.

Uma floresta nativa é natural, enquanto uma plantação é cultural. Aliás, depois da tecnologia de domínio do homem sobre o fogo, a cultura agrícola é uma das mais antigas, e nela está a vitivinicultura. O nome já indica: cultura ou cultivo da vitis ou vinha e do vini ou vinho – ações desenvolvidas pelo homem.

Em algumas abordagens, ‘natural’ e cultural’ podem ser percebidos por uma certa oposição entre ambos, como se o cultural fosse uma intervenção sobre o natural. Por exemplo, podemos pensar que o ser humano nasce com determinados instintos, mas a cultura e a educação o moldam e transformam a maneira como eles se manifestam, impondo modos de convivência e/ou normas de conduta e etiqueta.

Há visões que argumentam que cultura e natureza são interdependentes. Afinal, o próprio ser humano é parte da natureza, e sua capacidade de criar cultura também pode ser vista como um aspecto natural da espécie.

E os vinhos, como denominar?

A questão que permanece é: como denominar os vinhos com mínima intervenção? Esta é uma questão que se apresenta sem definição. Há movimentos crescentes em todo o mundo e um certo despertar por parte de alguns consumidores para os vinhos elaborados de forma mais autêntica, que respeitam o terroir, sem uso de aditivos ou produtos que possam “uniformizar” os vinhos, sem seguir padrões de estandardização.

Neste sentido, faz-se necessário definir quando um vinho sofre ou quais intervenções ele pode sofrer para não se tornar produto padronizado. O formato associativo e colaborativo entre produtores, estabelecendo um consenso quanto às intervenções e diferenciações dos produtos por métodos de elaboração, nos parece uma solução adequada. Para poder dizer que um vinho pertence a uma categoria de vinhos com mínima intervenção, é necessário, primeiro, definir quais as mínimas ou máximas intervenções serão permitidas.

 

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