
Carlos Raimundo Paviani
Diretor do Portal A Vindima
Diversos analistas internacionais têm alertado sobre a queda no consumo mundial de vinhos que, em 2024, atingiu o mesmo patamar, em volume, da década de 70. Manifestam que isto pode levar a uma crise no mercado. São vários fatores: o aumento dos custos de produção e dos custos logísticos causados pela inflação; o aumento das taxas de importação no país que consome o maior volume mundial; a queda drástica no consumo nos tradicionais países ou regiões vitivinícolas. Acrescente-se ainda o crescimento da população que, por motivos religiosos, não tolera ou é desaconselhada ao consumo de bebidas alcoólicas e, ainda, os novos hábitos de consumo, como refeições rápidas e fora de casa ou, ainda, o surgimento de outras bebidas, como os coquetéis ou produtos prontos para beber, que substituem o vinho, além da cerveja e, mais recentemente, uma tendência entre os jovens de não consumir álcool.
Ao analisarmos os dados da tabela abaixo, elaborada com base nas estatísticas mundiais da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), veremos que o consumo per capita mundial caiu de 5,9 litros por pessoa/ano na década de 70 para 2,7 litros per capita/ano em 2024. Nos primeiros anos deste terceiro milênio, o consumo total até aumentou, mas não acompanhou o aumento populacional.

Diante disso, algumas questões surgem: essa queda de consumo no mercado mundial de vinhos tem impacto no Brasil? Como essas mudanças impactam o mercado brasileiro? Avizinha-se realmente uma crise na produção e comércio de vinhos no mundo?
É importante perceber que, nos últimos 50 anos, muitas mudanças na produção e comércio mundial de vinhos aconteceram. De modo geral, a qualidade dos vinhos aumentou sensivelmente em todos os países. A União Europeia, que antes detinha a influência nas regras de produção, alterou até mesmo sua forma de denominar os vinhos com indicação geográfica, permitindo expressar o nome das castas em seus rótulos. Há 30 ou 40 anos, isso poderia ser considerado um sacrilégio. Surgiram novos players no mercado, como Austrália, Chile, África do Sul, Argentina, China e EUA, cujas produções cresceram em qualidade, quantidade e competitividade.
Do lado positivo, é preciso ter em mente que, se por um lado o consumo per capita diminuiu, principalmente nas tradicionais regiões produtoras de vinhos, por outro lado o avanço notável na qualidade permitiu que a receita auferida com a venda de vinho tivesse se multiplicado. Desse modo, vinícolas que antes forneciam apenas vinhos de entrada ou mais econômicos foram impulsionadas a produzir bebidas premium para alcançar novas fatias de mercado.
A queda no consumo mundial de vinhos traz impactos negativos e positivos. Não sendo um país com vocação exportadora, o Brasil poderá ter ainda mais dificuldade nesse tipo de operação por conta do aumento da oferta de produtos dos grandes exportadores, causada pela queda na demanda. O aumento da competição tende a baixar os preços para escoar os estoques. Isso também vai pressionar o mercado interno no Brasil.
Com o mercado mundial desacelerando, é hora de focar ainda mais no mercado interno, investindo em campanhas de valorização da produção brasileira, que está crescendo, se qualificando e se diversificando com novas regiões produtoras, além de consolidar produtos que se identificam com sua região de origem. O investimento em educação para o consumo do vinho também deve ser ampliado. Fortalecer o enoturismo, em conjunto com outros atores, traz vantagens para as vinícolas brasileiras.
Se essa queda global permanecer por longo prazo, será necessária uma readequação na estrutura de produção. A União Europeia já possui normas rígidas que não permitem o aumento da produção e, em anos recentes, estimulou o arranque de quase 300 mil hectares de vinhedos. Tais ações são financiadas por um fundo público que objetiva evitar o deslocamento dos agricultores para as áreas urbanas e garantir renda e sobrevivência aos seus viticultores.
Crises e oportunidades geralmente andam juntas. Prever quando elas acontecem e planejar a travessia pode ser uma vantagem. É possível que o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia se consolide ainda neste ano. Isso vai implicar na queda dos impostos de importação de vinhos europeus, dando a esses produtos vantagem ainda maior para estar nesses países. Consolidar produtos com identidade e originais pode ser uma alternativa de médio e longo prazo para a produção brasileira.
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