Vinhedos e Oportunidades: Como o Vale do São Francisco busca seu espaço no enoturismo

O setor vitivinícola no Nordeste tem potencial para crescer, mas enfrenta desafios estruturais e culturais

O Vale do São Francisco é a segunda maior região produtora de vinhos do Brasil e um polo de exportação de uvas para o mundo. No entanto, quando se trata de enoturismo, ainda há um longo caminho a percorrer para que a região conquiste o reconhecimento nacional e internacional. Para discutir os desafios e oportunidades desse mercado, o Portal A Vindima conversou com o consultor de turismo Gustavo Santa Rosa, que possui vasta experiência com contratos nacionais e internacionais e está no Vale do São Francisco desenvolvendo projetos robustos para impulsionar o enoturismo da região. Em sua análise, ele destaca o atual cenário do Vale e sugere caminhos para fortalecer sua presença no setor.

Gustavo Santa Rosa analisa cenário do enoturismo do Vale do São Francisco

O Vale do São Francisco já é reconhecido pela sua produção de vinhos, mas ainda não consolidou sua identidade no enoturismo. Quais os principais desafios?

Gustavo Santa Rosa: O maior desafio é o aculturamento da população e dos gestores públicos sobre a importância do turismo. O Vale do São Francisco tem um potencial gigantesco, mas a percepção do grande público ainda é limitada a Petrolina e Juazeiro. Outras cidades fundamentais para a produção, como Lagoa Grande (PE), Santa Maria da Boa Vista (PE) e Curaçá (BA), quase não são mencionadas quando se fala em enoturismo. Isso faz com que os visitantes venham, façam um passeio e voltem para suas cidades de origem, sem saber que existem municípios inteiros dedicados à vitivinicultura.

Comparando com a Serra Gaúcha, onde o enoturismo já é consolidado, quais diferenças você enxerga no Vale?

Gustavo Santa Rosa: O Vale do São Francisco está hoje como a Serra Gaúcha estava nos anos 70 e 80, quando o enoturismo ainda engatinhava. A Serra precisou de décadas para se estruturar, criar rotas turísticas e desenvolver sua identidade. Hoje, Gramado e Canela são referências, mas Bento Gonçalves e Garibaldi só foram ganhando visibilidade com o tempo. O Vale do São Francisco precisa seguir um caminho semelhante: fortalecer as cidades que fazem parte da cadeia produtiva, melhorar sua infraestrutura turística e capacitar a mão de obra para atender melhor o turista.

O que poderia ser feito para acelerar esse processo de valorização do Vale como destino enoturístico?

Gustavo Santa Rosa: Primeiro, é preciso ampliar a divulgação e investir em marketing. Quando falamos de vinhos no Brasil, os consumidores lembram da Serra Gaúcha, dos vinhos chilenos e argentinos, mas poucos conhecem os rótulos produzidos no Vale. Falta promover a região em feiras de turismo e gastronomia, nacional e internacionalmente. Além disso, eventos como o Vinho e Uva Fest, que será retomado este ano em Lagoa Grande, são fundamentais para atrair visibilidade. Também é necessário investir em estrutura: as estradas são boas, mas as cidades precisam de melhores hotéis, restaurantes e serviços voltados ao turista.

O que diferencia o enoturismo do Vale do São Francisco de outras regiões vitivinícolas?

Gustavo Santa Rosa: O grande diferencial do Vale é a produção contínua. Enquanto a Serra Gaúcha tem uma única colheita por ano, aqui há duas safras, e algumas propriedades chegam a três. Isso significa que o turista pode visitar uma vinícola em qualquer época do ano e acompanhar todas as fases da produção, desde a poda até a degustação do vinho pronto. Além disso, o clima quente e ensolarado favorece um turismo que pode ser explorado de forma diferente, combinando o vinho com experiências ao ar livre e festivais.

O perfil do visitante no Vale do São Francisco difere daquele que busca a Serra Gaúcha?

Gustavo Santa Rosa: Sim, o público no Vale é diferente. Muitos turistas que visitam as vinícolas da região vêm de cidades próximas como Salvador, Recife, Aracaju e Campina Grande. São consumidores que gostam de vinho, mas não necessariamente conhecem muito sobre o assunto. A grande maioria visita a vinícola para um evento especial, como um ensaio fotográfico, uma despedida de solteiro ou uma celebração. Esse perfil é uma oportunidade para as vinícolas criarem experiências mais acessíveis e envolventes, como eventos temáticos e degustações diferenciadas.

Você acredita que o enoturismo no Vale pode atingir um patamar de reconhecimento nacional como o da Serra Gaúcha?

Gustavo Santa Rosa: Sem dúvida! Mas é preciso estratégia e tempo. Hoje, um consumidor que quer viver uma experiência de vinho no Brasil pensa imediatamente na Serra Gaúcha. O Vale precisa se posicionar como uma alternativa viável e atrativa. Para isso, é essencial um esforço conjunto entre iniciativa privada e poder público. A Prefeitura de Lagoa Grande, por exemplo, já está começando a inserir a cidade em feiras e eventos nacionais. Isso precisa se expandir para toda a região. Outro ponto crucial é a capacitação profissional. Não adianta trazer turistas se os serviços não forem de qualidade. A criação de cursos técnicos e superiores em enologia, turismo e hospitalidade é um passo importante para formar uma nova geração de profissionais preparados para transformar o Vale do São Francisco em um grande polo de enoturismo.

Para finalizar, qual é a mensagem que você deixaria para aqueles que querem investir e fortalecer o enoturismo no Vale?

Gustavo Santa Rosa: Turismo bem estruturado gera renda, transforma cidades e melhora a vida das pessoas. O Vale do São Francisco tem tudo para ser uma referência, mas isso só será possível se houver um esforço conjunto de empresários, produtores, instituições e governo. O trabalho de aculturamento é fundamental: mostrar para os próprios moradores que a uva e o vinho são patrimônios cultural e econômico, e que seu potencial vai muito além da exportação. O futuro do enoturismo no Vale do São Francisco depende da valorização do que já existe e do investimento em inovação para conquistar novos públicos. Agora é o momento de colocar a região no mapa do turismo mundial.

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Respostas de 4

  1. Ótimas reflexões e excelente comparação. Incentivo para iniciativas públicas e privadas realizarem ações visando o turismo nacional e internacional na região.

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