Crise em Bordeaux evidencia riscos da falta de subsídios para sistemas antigranizo e acende alerta ao setor vitivinícola brasileiro

Retirada de apoio público fragilizou sistema de proteção contra o granizo na França e trouxe prejuízos devastadores para vinhedos em crise. Experiência serve de lição para o Rio Grande do Sul, que busca consolidar seu próprio modelo com recursos garantidos.
Imagem Ilustrativa feita por IA

Enquanto o setor vitivinícola gaúcho avança no projeto do Sistema Antigranizo, os recentes eventos na França acendem um sinal de alerta. Em Bordeaux, uma das mais prestigiadas regiões vinícolas do mundo, tempestades localizadas causaram perdas devastadoras em áreas das AOC de Graves e Entre-deux-Mers. O que mais preocupa, porém, é que parte desses danos poderia ter sido evitada, não fosse o colapso de um sistema de proteção compartilhado que sofreu cortes severos de financiamento público.

A viticultora Amandine Noriega, de Porte-de-Benauge, descreveu o drama vivido por sua propriedade. “O trabalho de um ano foi destruído em apenas oito minutos de granizo… o próximo ano também está em risco”, lamenta. Segundo ela, muitos produtores “não vão se recuperar”, principalmente aqueles que já estavam em recuperação judicial e sem margem para contratar seguros.

No primeiro trimestre de 2025, as falências no setor vinícola da região da Gironda subiram 64% em relação ao mesmo período do ano anterior — um número muito superior à média regional de 15% para todos os setores econômicos. Após um programa de arranquio de 18 mil hectares de vinhas para conter a superprodução e ajustar os preços, a vitivinicultura francesa agora enfrenta um novo obstáculo: os extremos climáticos agravados pelas mudanças climáticas e pela fragilidade da infraestrutura de prevenção.

Desde o final dos anos 1950, a associação Adelfa 33 operava cerca de 130 geradores de iodeto de prata espalhados pela Gironda, ativados para reduzir o tamanho das pedras de granizo antes que tocassem o solo. Em 2024, no entanto, os subsídios públicos à entidade despencaram de 165 mil euros para apenas 20 mil euros. A medida obrigou a Adelfa a elevar os níveis de alerta para reduzir os disparos e poupar recursos, comprometendo a eficácia do sistema. Em algumas áreas-chave, faltam geradores, e o envelhecimento dos voluntários que cuidam da manutenção também se tornou um entrave.

O sistema foi ativado no fim de semana das tempestades, mas as “insuficiências” na rede impediram a proteção das áreas mais atingidas, segundo o presidente da Adelfa e viticultor, Dominique Fédieu. “Nosso orçamento é um investimento ínfimo comparado aos custos de replantar”, alertou. Ele também criticou o setor de seguros, afirmando-se “surpreso” com a “visão míope” das seguradoras, que, apesar dos prejuízos milionários, se recusam a financiar ações preventivas.

O Conselho Departamental da região, por sua vez, reconhece as dificuldades, mas alega queda drástica na arrecadação — impactada pela crise imobiliária e por encargos impostos nacionalmente. Para este ano, houve apenas um ajuste simbólico de 15 mil euros aos repasses. Diante do colapso, o setor vitivinícola francês tem buscado alternativas como contribuições de vinhedos com sistemas próprios de proteção, apoio de outras instâncias públicas e até participação das seguradoras. Até o momento, apenas o Conselho Regional da Nouvelle-Aquitaine assumiu compromisso firme com o financiamento do sistema.

David Labat, presidente da AOC Entre-deux-Mers, resume a situação. “A vitivinicultura está em dificuldades econômicas… não temos meios para arcar com uma proteção que beneficia a todos”, pontua.

Lições para o Rio Grande do Sul

No Brasil, a experiência francesa reforça a importância do comprometimento público com políticas de prevenção. Na Serra Gaúcha, lideranças vitivinícolas têm dialogado com autoridades estaduais sobre a implementação de um sistema semelhante, com cerca de 130 geradores de iodeto de prata previstos inicialmente para 17 municípios.

O recurso financeiro para a implantação do sistema no Rio Grande do Sul, segundo o setor, já está assegurado via Fundovitis. A proposta técnica e os estudos de viabilidade ambiental seguem em andamento.

A adoção do modelo em Bordeaux por mais de meio século, e os erros recentes decorrentes da retirada de recursos, reforçam um ponto essencial: prevenir custa menos do que reparar. E no caso da vitivinicultura, proteger o terroir é garantir o futuro de toda uma cadeia produtiva.

Fonte: larvf.com

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