
A viticultura paulista enfrentou um dos seus maiores desafios recentes com a epidemia de podridão da uva madura, causada pelo fungo Glomerella cingulata . A doença atingiu especialmente a uva Niágara no Circuito das Frutas, região que reúne municípios como Jundiaí, Louveira, Itatiba, Itupeva, Jarinu, Indaiatuba e Elias Fausto. Em 2024, vinhedos inteiros foram perdidos, e em algumas propriedades as perdas chegaram a 100%, levando produtores ao desânimo e colocando em risco até mesmo eventos tradicionais como a Festa da Uva.
Diante da crise, a Embrapa Uva e Vinho (RS) e a Embrapa Territorial (SP), em parceria com órgãos estaduais e prefeituras, coordenaram um Plano Emergencial de Controle à Podridão Madura da Uva. A ação selecionou 13 propriedades rurais para testes em campo, que incluíram a aplicação de fungicidas em momentos estratégicos, eliminação de restos culturais contaminados e ajustes de tecnologia de pulverização. Os resultados mostraram recuperação de até 95% da produção em propriedades que seguiram integralmente as recomendações técnicas, e reduções significativas da doença em outras áreas, com taxas de até 70%.
Os pesquisadores identificaram que a combinação de fatores climáticos, como temperaturas acima da média e alta umidade, somados a falhas no manejo — uso de fungicidas ineficientes, doses inadequadas e equipamentos desregulados — favoreceram o avanço da epidemia. “Em alguns casos, o produto certo estava na propriedade, mas não foi utilizado. Ou foi aplicado de forma errada. Isso precisa mudar”, afirmou o analista da Embrapa Territorial, Rafael Mingoti. O pesquisador Lucas Garrido, da Embrapa Uva e Vinho, reforça que o problema não é novo, mas se agravou por falhas técnicas e pelo ambiente extremamente favorável ao patógeno.

Os riscos seguem presentes, já que os esporos do fungo podem sobreviver nos restos culturais e permanecer ativos por várias safras. Por isso, os especialistas destacam a necessidade de adoção de medidas preventivas coletivas, uma vez que falhas em algumas propriedades podem comprometer toda a região. O manejo integrado recomendado inclui pulverizações de inverno ainda no período de dormência, aplicações bem calibradas em estágios críticos da videira, alternância de fungicidas sistêmicos e de contato, além do uso de produtos biológicos e óleos essenciais na fase final de maturação para reduzir o risco de resíduos.
As experiências também mostraram que mudanças simples podem ser decisivas. O produtor Atalívio Rufino, de Elias Fausto, perdeu quase toda a safra em 2024, mas após participar dos ensaios passou a descartar restos de forma mais rigorosa e a ajustar corretamente os equipamentos de pulverização. Ele hoje relata colheitas recuperadas e acredita que o exemplo pode inspirar outros produtores a persistirem. Já Anderson Tomazetto, de Jundiaí, reforça que apenas a combinação entre manejo cultural e químico trouxe resultados consistentes.
O trabalho da Embrapa agora avança para consolidar protocolos de manejo baseados nos dados coletados em campo e em laboratório. Pesquisas em andamento com o Instituto Biológico buscam identificar diferentes espécies de Colletotrichum presentes na região, o que ajudará a definir quais fungicidas e produtos biológicos são mais eficazes no controle. Uma proposta submetida à Fapesp prevê o desenvolvimento de um sistema de aviso e de um protocolo oficial de manejo integrado, que poderá ser referência nacional.
Apesar da recuperação parcial observada em 2025, os pesquisadores alertam que não é momento de relaxar. “Não é hora de abaixar a guarda”, reforça Mingoti. “É essencial manter a vigilância, aplicar corretamente os defensivos, ajustar a estratégia em função das condições climáticas, eliminar restos culturais e regular os equipamentos. Só assim vamos consolidar os avanços obtidos até aqui.”
O próximo passo será ampliar a capacitação de viticultores em seminários e dias de campo, com foco em tecnologia de aplicação, manejo sob cobertura plástica e boas práticas culturais. O desafio, segundo os técnicos, é transformar o conhecimento emergencial em rotina para que a viticultura paulista esteja mais preparada diante de novos ciclos da doença.
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