Juan Francisco Carrau Pujol – Pioneirismo aliado a uma tradição vinícola secular

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Juan Francisco Carrau Pujol. (Foto: ARQUIVO FAMILIAR)

Ao chegar ao Brasil no final da década de 1960, o espanhol Juan Francisco Carrau Pujol trazia na bagagem não apenas o desejo de elaborar vinhos na Serra Gaúcha, mas uma tradição vinícola secular. Seus antepassados haviam iniciado na arte de fazer vinhos em 2 de abril de 1752. Foi nessa data que o primeiro antecessor, Francisco Carrau Vehils, adquiriu um vinhedo em Vilasar de Mar, um pequeno povoado de Barcelona. Geração após geração a vinificação foi sendo herdada. Aliás, a tradição é tão forte que a própria lembrança de batizado de Juan Francisco tem toda a sua árvore genealógica exposta. Foi no povoado de Vilasar de Mar que Juan Francisco nasceu em 13 de março de 1924. Em berço espanhol permaneceu por pouco tempo. Aos sete anos, junto com os pais Juan Pablo e Catalina, migrou para o Uruguai, fugindo dos conflitos civis e da crise econômica que assolava a Espanha da pré-guerra. O país latino oferecia, além dos laços parentescos de Catalina, condições vinícolas promissoras. Instalados, a família Carrau, em sociedade com outros uruguaios, montou um empreendimento vinícola. “O Juan Pablo tinha estudado com mestres do setor e conhecia o mercado. Em poucos anos, a empresa tinha se tornado a principal cantina do Uruguai”, lembra o doutor em Biotecnologia e filho de Juan Francisco, Juan Luis Carrau Bonomi.

 

Os negócios prosperavam e, em 1940, devido a um derrame de Juan Pablo, o filho Juan Francisco assume a sociedade na vinícola. Apesar dos estudos em contabilidade, o jovem era autodidata e havia herdado dos antepassados a ‘arte da degustação’. Mais do que isso, Juan Francisco tinha bons relacionamentos pessoais e gostava de estudar. Na década de 1950, viajou aos Estados Unidos para conhecer a região da Califórnia. Lá, fez contatos com a California University e ficou amigo do professor em viticultura Harold Olmo, que o ajudou no mapeamento das regiões vinícolas no sul da América.

 

Em prol das viníferas
Entretanto, a mudança em sua vida (e para o Brasil) viria em 1964. É nesse ano que Juan Francisco, junto com os filhos Juan Luis e Javier, realiza uma viagem para a Serra Gaúcha. Durante o passeio, o espanhol percebeu o imenso potencial do mercado brasileiro para a elaboração de vinhos finos. De volta ao Uruguai amadureceu a ideia e resolveu montar um estabelecimento vinícola no Brasil, mais especificamente em Caxias do Sul. Estava nascendo a semente que daria origem ao Châtau Lacave (hoje propriedade da família Basso de Caxias do Sul).

 

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Juan Francisco e a esposa Maria Elena na construção do Chatêau Lacave.

Em 1968, Juan Francisco iniciava a construção da adega-castelo na qual elaboraria seus vinhos brasileiros. Nesse ano, numa cantina alugada na Linha 40, fez um projeto piloto para elaboração de um assemblage (Cabernet Franc e Merlot). A safra excepcional daquele ano, o estimulou a seguir em frente e mostrou todo o potencial do terroir brasileiro.

 

Mas a peculiaridade do enólogo estava no seu trato com o viticultor e a matéria-prima, no caso, as uvas. Naquela época, as viníferas nobres eram muito escassas e os vinicultores pagavam o mesmo preço que as uvas comuns. Não havia estímulo ao plantio das uvas finas e mesmo aqueles que a cultivavam costumavam juntá-las com as americanas. Nesse cenário, Juan Francisco passou a convencer os agricultores a separar a uvas finas das comuns. No início eram menos de 20 viticultores, mas o incentivo veio através do preço justo pago as viníferas, fato que, até então, nenhuma indústria pagava. “O meu pai incentivava muito o trabalho do agricultor e tinha muito respeito por eles”, recorda Juan Luis.

 

A primeira safra no Château Lacave ocorreu em 1971, com quase 700 mil quilos de uvas recebidos. Juan Francisco havia degustado as amostras, feito um rigoroso critério de qualidade e armazenado o vinho em tonéis. Foi assim que surgiu o Velho Museu Carrau, bebida tida como uma lenda brasileira e que até hoje é comercializada e elaborada pelo Atelier Carrau.

 

“Esse vinho passou a ser comercializado em 1976 e é uma bebida com grande potencial de guarda para durar mais de 30 anos”, diz o neto Juan F. Carrau. A família Carrau ainda guarda algumas garrafas daquela safra, abrindo-as em ocasiões especiais.

 

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Degustação no castelo junto com o professor Harold Olmo (à esquerda).

 

Além fronteiras
Apesar dos negócios no Brasil, Juan Francisco mantinha laços profundos com o Uruguai e nunca chegou a morar em definitivo em terras tupiniquins. Viajava com frequência, visto que a esposa Maria Elena Bonomi Carrau e os oitos filhos (apenas Juan Luis veio morar no Brasil na época) viviam no Uruguai. No país vizinho também administrava as Bodegas Carrau (hoje comandada pelos filhos). Foram nessas viagens constantes que surgiu, em 1974, os estudos pioneiros para a implantação de vinhedos na região da fronteira entre Brasil e Uruguai. A proximidade com o professor Olmo, da Universidade da Califórnia, fez com que Carrau realizasse um mapeamento das diferentes regiões. Em 1978, iniciou o plantio de videiras que deram origem aos vinhedos La Mañana, da adega Cerro Chapéu, em Livramento.

 

O deslocamento entre as fronteiras brasileiras e uruguaias também o levaram a cultivar um hobby peculiar: criava e treinava pombos-correios para envio de mensagens a lugares distantes. O desenho era outra de suas habilidades. Juan Francisco faleceu em 1984, aos 60 anos, vítima de uma doença rara. Sepultado no Uruguai, foi no Brasil que deixou uma tradição cultivada até hoje por seus familiares: a arte de fazer vinhos com idealismo e sabedoria. “Não tive muita convivência com meu avô, mas sempre o descreveram com uma pessoa ética, correta e que tinha muito respeito pelos viticultores”, afirma o neto Juan Carrau.

 

Fontes: Juan Luis Carrau Bonomi (filho de Juan Francisco); Juan F. Carrau (neto de Juan Francisco) e texto ‘Primeira Safra de Velho Museu-Carrau 1752’.

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