por Evelin Queiroz
Redatora do Portal A Vindima
A audiência pública realizada durante a Tecnovitis 2025, dedicada ao debate sobre o acordo Mercosul–União Europeia, deixou uma sensação difícil de ignorar — e impossível de adiar. Ali, diante de parlamentares, cooperativas, técnicos, pesquisadores e produtores, não emergiu apenas a lista conhecida de preocupações sobre concorrência desleal, subsídios europeus, carga tributária interna e impacto sobre o preço final nas gôndolas brasileiras. O que veio à tona foi algo mais profundo: a constatação de que o acordo avança acelerado, enquanto o setor vitivinícola brasileiro ainda não conseguiu formular, de forma clara e coletiva, qual estratégia espera ver defendida em Brasília.
O debate, em vez de apontar caminhos, concentrou-se quase exclusivamente no diagnóstico. É compreensível. França, Itália, Espanha e Portugal investem pesadamente na proteção do vinho como ativo nacional. Subsídios, incentivos, créditos, compra de excedentes — tudo construído para garantir competitividade e estabilidade. Enquanto isso, o Brasil discute qual imposto deve ou não incidir sobre o vinho nacional. A discrepância é real, é grave, e precisa ser nomeada. Mas ela já é conhecida. O setor não foi à audiência para ouvir o óbvio. Foi para descobrir o que fazer diante do óbvio.
E foi isso que faltou.
A audiência terminou sem que uma única proposta estruturada de compensação fosse apresentada. Não houve plano tributário, cronograma, fundo de transição, política de competitividade ou sequer diretrizes mínimas para serem levadas ao Executivo e ao Congresso. Faltou a “lição de casa” — essa expressão que tanto se repete quando se fala em política pública, mas que raramente é encarada com honestidade. Se o acordo é inevitável (e tudo indica que é), então o que o setor quer colocar na mesa?
E aqui entra um ponto delicado: representantes de cooperativas chegaram a dizer, em público, que o setor não sabe, ainda, o que quer. É uma fala dura, mas verdadeira. E talvez tenha sido a contribuição mais importante da audiência. Ela expôs que não basta reclamar do risco europeu. É preciso definir qual será a resposta brasileira. A vitivinicultura não pode continuar à espera de que Brasília desenhe soluções sem que o próprio setor ofereça as bases do que seria razoável, sustentável e exequível.
Essa lacuna foi percebida também pelos produtores presentes. Joel Menegat, jovem vitivinicultor, sintetizou a angústia de quem está na ponta: além de clima, custos, tributos e incertezas, agora chega a possibilidade de competir com vinhos importados que, no preço de gôndola, já são mais acessíveis e podem ficar ainda mais baratos. O desânimo que apareceu nas falas não nasce de desconhecimento, mas de sensação de abandono. Ninguém teme o produto europeu apenas por ser europeu. Teme porque o Brasil ainda não apresentou um plano para se manter competitivo no próprio mercado.
É por isso que a audiência, ainda que frustrante em termos de resultados, precisa servir como ponto de virada. Não há mais espaço para improviso. O acordo Mercosul–União Europeia representa um divisor de águas para toda a cadeia da uva e do vinho. Se o setor continuar apenas reagindo, corre o risco de entrar em um jogo cujo placar já está decidido. Mas se assumir o protagonismo, pode transformar o desafio em oportunidade.
A questão central, neste momento, não é se o acordo é bom ou ruim. Isso os ‘donos da caneta’ já decidiram. As perguntas são quais medidas o setor vitivinícola brasileiro quer ver implementadas para não ficar para trás? Quais incentivos são necessários? Quais ajustes tributários? Quais estratégias de valorização territorial? Quais instrumentos de apoio à inovação, mecanização, certificação, qualificação e competitividade?
Sem essas respostas, o debate continuará girando em torno do medo. E o medo, sozinho, não muda nada.
O Brasil tem instituições fortes, pesquisadores de excelência, cooperativas e indústrias sólidas, vinícolas familiares, produtores resistentes e um setor que cresceu justamente quando soube unir ciência, tradição e iniciativa privada. Mas agora precisa entrar em uma nova fase, a fase da estratégia de guerra. Não basta defender o vinho brasileiro por sentimento; é necessário defendê-lo com política pública, dados, propostas consistentes e visão de longo prazo.
A audiência revelou que ainda há muito trabalho pela frente e que essa construção terá de ser feita rapidamente. O acordo será assinado, mas o futuro da vitivinicultura brasileira não precisa ser escrito por outros. Ele pode e deve ser escrito pelo próprio setor.
E isso começa agora.
