História do Vinho – Parte XXII

Vinho, Iluminismo e revolução

Retrato dos oficiais franceses brindando à revolução.
Retrato dos oficiais franceses brindando à revolução.

O século XVII trazia as ideias culturais e intelectuais do Iluminismo e levava um tom de otimismo para os viticultores, principalmente os franceses. Bordeaux tinha plantado grandes áreas de vinhedos e, em 1697, o mercado inglês foi novamente reaberto para os vinhos nobres da região, depois de anos de interrupção dos negócios entre França e Inglaterra. Mas, tal como o término do Iluminismo, habitualmente assinalado com o início das guerras napolêonicas, a sensação de otimismo logo evaporou-se. O primeiro sinal aconteceu em 1703, quando um nova guerra entre os dois países fechou novamente o mercado. Mas, mesmo com a comercialização proibida, os ingleses descobriram um modo de “roubar” o vinho francês. Isso era feito levando navios carregados da bebida até a costa da Inglaterra, onde eles eram capturados por corsários ingleses. O vinho era então transportado para Londres e leiloado. A maior parte dessas capturas era feita a mão armada e a quantidade de vinho premium roubado era considerável, o que levantou suspeitas de que tudo não passava de uma armação para, na verdade, a bebida ser comercializada.

 

Sete anos depois, Inglaterra e França voltaram a se unir e as autoridades de Bordeaux decidiram cancelar as licenças de exportação dos comerciantes holandeses, que, como já vimos, dominaram o comércio durante o século XVII. Parecia que o comércio de Bordeaux estava se encaminhando para uma nova era de prosperidade (isso aconteceria somente anos depois). Entretanto, houve uma repentina mudança de planos, pois o inverno seguinte foi devastador para os vinhedos. Nevou muito e as temperaturas caíram abaixo do normal, o que arruinou a safra de 1709. Não só esta, mas também uma boa parte da anterior, que ainda estava nas adegas quando o mau tempo atingiu o país e congelou os barris.

 

Tempos difíceis
O preço do vinho disparou e as dificuldades logo começaram a ser sentidas. Na verdade, o inverno de 1709 foi um divisor de águas para a viticultura e a produção vinícola da França. A necessidade de replantar tantos vinhedos deu aos agricultores a chance de introduzir novas cepas e de raciocinar mais sobre a melhor forma de combinar tipos de uva e de localização das terras. Os vinhedos começaram a ter variedades como moscatel, plousard e gamay. Mas essas mudanças não puderam ser totalmente realizadas. O tempo não ajudou e, em 1754, os vinhedos foram novamente destruídos pelo inverno rigoroso, por pragas e por um verão seco. No ano seguinte, ocorreu a mesma coisa. E mais desastres seguiram entre 1767 e 1778, períodos em que uma sucessão de primaveras frias, tempestades de granizo e verões úmidos atingiram o país. Das colheitas registradas, três foram ruins e oito péssimas. Em quatro anos, a produção decaiu pela metade e o preço subiu. A volatilidade do mercado causava grande angústia nos agricultores, já que: quando os preços subiam devido a safras pequenas, não tinham vinho para vender; quando tinham vinho em abundância, não havia mercado para eles.

 

Além disso, novas bebidas surgiam no mercado. O consumo de café subiu 54%, o chocolate 7% e o chá mais de 500%. Estas novas bebidas faziam parte da mudança mais ampla na alimentação europeia e estavam amparadas por um outro produto: o açúcar, que rapidamente caiu no gosto popular. Os europeus começaram a usá-lo para adoçar o chá, o café, o chocolate e até o vinho. Foi por isso que os agricultores, que dependiam do vinho, apoiaram a Revolução Francesa, na esperança que sua situação melhorasse. Vamos ver como isso começou e de que forma terminou.

 

Revolução
A Revolução Francesa, que ocorreu em 1789, embora tenha ficado associada à violência e à agitação política, veio a calhar muitos reclamações em relação ao vinho. Os clérigos e nobres escreviam listas de reclamações dirigidas aos reis. A maioria delas se referia a questões financeiras e constitucionais, mas muitas abordavam a produção e o consumo do vinho. Embora quase todas as reclamações se referissem à taxação da bebida, havia também preocupação quanto à qualidade e aos níveis de consumo e suas consequências sociais e econômicas. Na verdade, na maior parte da década que precedeu a revolução, o preço do vinho estava baixo, o que descontentava os produtores. A disseminação do hábito de beber vinho mostrou que a bebida era uma necessidade básica e os impostos cobrados sobre ela eram tão ou mais fortemente sentidos do que os que incidiam sobre outros alimentos. E, justo em 1789, o custo do vinho tinha triplicado em função das taxas. Os impostos eram cobrados por barril, independente da qualidade e do valor do vinho, o que incomodava muita gente. Logo, os franceses criaram uma série de subterfúgios para não pagar os impostos. Escondiam os barris embaixo de outros produtos, colocavam jarras de vinho sob as saias das mulheres, cavavam túneis e canais para contrabandear a bebida. Quando algum deles era descoberto e fechado, outro era logo aberto para substituí-lo. Mas, as tensões políticas chegaram ao limite em 1789 e ao invés de driblar as barreiras começaram a atacá-las. Estava declarada a revolução.

 

Abaixo aos impostos
De início, as guerras napoleônicas foram decepcionantes para os agricultores e consumidores: as novas autoridades de Paris necessitavam de recursos para gerir a cidade e decretaram que os impostos sobre vinho e outros produtos continuariam a ser cobrados. Mas, as esperanças voltaram em 1791 quando todos os impostos foram abolidos (inclusive os dízimos cobrados pela Igreja para o uso da terra desde o período medieval). Com isso, a produção da bebida aumentou fortemente e passou de 27,2 milhões para 36,8 milhõe de litros produzidos.

 

Quando os revolucionários aboliram essas obrigações, a bebida acabou sendo incluída na lista de produtos básicos. Aqui cabe um parêntese: essa inclusão tornou a embriguez mais frequente e uma série de alcoólatras surgiram. Isso fez com que as autoridades adotassem padrões de comportamento e impusessem horários para se beber. Em algumas cidades, as tabernas só podiam vender vinho até às 22 horas.

 

No final, a revolução deu condições para expansão da viticultura; os produtores foram liberados dos impostos; a quantidade de terras de plantio aumentou; a produção, a qualidade e o mercado consumidor cresceram.
Foi nesse contexto de mudanças, que importantes avanços científicos sobre os processos de fabricação e de conservação dos vinhos foram descobertos. Surgia uma nova fase após as guerras napoleônicas.

 

Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; e História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.

 

Foto: Divulgação

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