O império romano do vinho

Baco, pintado pelo italiano Caravaggio.
Baco, pintado pelo italiano Caravaggio.

Roma nasceu do leite – segundo conta a lenda sobre a fundação da ‘cidade eterna’, os gêmeos Rômulo e Remo foram amamentados por uma loba –, mas pode-se dizer que o vinho foi uma de suas bebidas preferidas. A vinicultura chegou ao sul da Itália por meio dos gregos, por volta de 800 a.C.. No entanto, os etruscos, que viviam ao norte da região, já elaboravam e comercializavam vinhos para Gália e Borgonha. Contudo, não se sabe se eles trouxeram as videiras de sua terra de origem (provavelmente da Ásia Menor ou da Fenícia) ou se cultivaram uvas nativas da Itália, onde já havia videiras desde a hominização. O que se sabe, com certeza, é que o vinho passou a ser mais consumido em Roma do que na própria Grécia. Arquélogos descobriram um grande número de bares em cidades como Ostia, Pompéia e Herculano.

 

Isso aconteceu somente depois das chamadas Guerras Púnicas, quando ocorreram mudanças importantes nas atitudes dos romanos. Eles passaram a investir seriamente na agricultura e a vitivinicultura encabeçava a lista das atividades mais rentáveis, isso porque havia poucos vinhedos com fins lucrativos. O primeiro a escrever sobre o tema foi o senador Catão, que em sua obra De Agri Cultura explicava como devia-se administrar uma propriedade agrícola. O mais famoso manual, porém, foi escrito pelo cartaginês Mago, que na obra estimulava a plantação comercial de vinhedos e a substituição de pequenas propriedades rurais por outras maiores.

 

No ano de 171 a.C., Roma iniciou um grande progresso na área, quando foi aberta a primeira padaria. Antes disso, os romanos se alimentavam apenas de mingau. Agora, passaram a consumir pão, o que, conseqüentemente, aumentava a sua sede por vinho. Começava uma nova era para o comércio vinícola e Roma estendia seu controle sobre os grandes vinhedos. Apareceram, nesse período, os primeiros vinhos de qualidade específicos. As melhores castas estavam localizadas na baía de Nápoles e na península de Sorriento. É dessa época o pretigiado Opimiano, safra de 121 a.C., do vinhedo Falernum. Segundo registros históricos, o vinho foi consumido até 125 anos depois. Mesmo com toda a pompa adquirida, os vinhos gregos ainda eram considerados pelos romanos como melhores.

 

Durante o império de Otávio Augusto (27 a.C. a 14 d.C.), a indústria vinícola estendia-se por toda a Itália, que já exportava a bebida para a Grécia, Macedônia e Dalmácia.

 

Uma das cidades que mais produzia a bebida era Pompéia. A cidade não só abastecia Bordeaux, como também prenunciava o que Bordeaux viria a ser 1.700 anos depois. Das 31 vilas descobertas nos arredores de Pompéia, 29 produziam vinho. Eram os châteaus da época. Após a destruição da cidade pela erupção do Vesúvio em 79 d.C., a principal fonte vinícola de Roma desapareceu. Iniciou, assim, uma corrida pela plantação de vinhedos em qualquer lugar próximo a Roma. Plantações de milho deram lugar a vinhedos, provocando um desequilíbrio no abastecimento da capital. Vinhateiros estabelecidos, que se beneficiaram com a escassez do produto em 80 d.C. e nos anos seguintes, logo se viram mergulhados em um mar de vinho. Isso fez com que, em 92 d.C., o imperador Domiciano editasse um decreto proibindo a plantação de novos vinhedos e de plantações pequenas. Mandou, ainda, destruir metade dos vinhedos das províncias ultramarítimas. O decreto visava à proteção do vinho doméstico contra a competição do vinho das províncias. O decreto permaneceu até 280 d.C., quando o imperador Probus o revogou.

 

Doces aromas
No mundo clássico, o vinho era dotado de importantes conotações religiosas. Na Grécia surgiu o culto a Dionísio, enquanto em Roma ele ficou conhecido como Baco – já que os romanos se apropriaram dos deuses gregos. Em Roma, Baco era intensamente celebrado e uma seita em sua homenagem foi fundada no centro e no sul da Itália, no século III a.C.. Membros do culto, a maioria mulheres, realizavam festivais, chamados de Bacchanalia, freqüentemente descritos por observadores de fora como sendo orgias sexuais pontuadas por sacrifícios de animais. Em 186 a.C., o senado proibiu o culto e a medida foi atribuida a uma postura moral contrária às práticas das Bacchanalias.

 

As classes sociais mais elevadas desenvolveram sua própria versão do symposion grego. Era o convivium, uma ocasião de encontro entre os amigos em que o vinho era a peça central. Diferente dos symposion gregos, nos convivium bebia-se vinho com comida e havia, às vezes, a participação das mulheres. Aliás, durante muito tempo, as mulheres romanas foram proibidas de ter qualquer ligação com o vinho. As leis permitiam que um homem que encontrasse a sua esposa bebendo tinha a liberdade de matá-la ou de pedir o divórcio.

 

Para esses festivais, os romanos produziam um vinho doce, já que tinham paixão por açúcar. Por isso, retardavam a sua vindima ao máximo, ou utilizavam a técnica grega: colher o fruto um pouco imaturo e deixá-lo no sol para secar e concentrar o açúcar (para a elaboração de vinhos chamados Passum). Outro modo de obter um vinho mais forte e doce era ferver, aumentando a concentração de açúcar (originando o chamado Defrutum), ou ainda, adicionar mel (originava o Mulsum). Vale destacar também que os romanos temperavam – tal como os gregos – os seus vinhos, fervendo-os em infusões ou macerações com ervas, especiarias e resinas.

 

Certamente havia mercado para todos os gostos. É claro que a maior demanda era pelo vinho mais barato. Um dos efeitos da expansão dos vinhedos nas províncias é que a produção em massa, em regiões da Itália que abasteciam Roma, tornou-se menos lucrativa e muitos vinhedos acabaram sendo passatempo de nobres. Um desestímulo aos produtores italianos foi a criação, por volta de 250 d.C., de um imposto que consistia na entrega de uma parte do vinho produzido ao governo – para as rações do exército e para distribuição aos de baixa renda. Para remediar essa situação, em 280 d.C., o imperador Probus revogou o já mencionado decreto editado por Domiciano, em 92 d.C., proibindo o plantio de vinhedos. Probus, inclusive, colocou o exército para trabalhar no cultivo de novos vinhedos na Gália e ao longo do rio Danúbio. No entanto, foi inútil, pois o declínio do Império Romano estava começando.

 

Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari

 

Por Danúbia Otobelli
Foto: Divulgação

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