Carlos Raimundo Paviani
Diretor do Portal A Vindima
O conceito em discussão no Congresso Nacional, por iniciativa do Senador Luiz Carlos Heinze, que propõe o vinho como um alimento natural, precisa de uma redefinição de foco. A iniciativa é válida e bem-intencionada, mas, na prática, é possível que os avanços pretendidos não sejam atingidos, ou até mesmo resultar em retrocessos.
Se o objetivo é reduzir a carga tributária sobre o vinho, a proposta torna-se inócua, pois o projeto de lei apenas redefine o vinho sem, no entanto, alterar a legislação tributária. Para que houvesse uma real mudança nos impostos, seria necessário um projeto de lei específico que alterasse alíquotas, ou determinasse alíquotas máximas. Somente classificando como alimento não é suficiente para alterar ou reduzir a carga tributária imposta sobre o vinho.
Por outro lado, se o objetivo é reconhecer as propriedades nutricionais do vinho, e classificá-lo como alimento natural ou funcional, a forma de registro e a comunicação do produto terão que passar por alterações significativas, o que pode não ser interessante para o setor. Diante disso, propomos três reflexões fundamentais sobre a proposta.
A primeira diz respeito ao conceito de vinho como alimento. Sabe-se que alimento é todo e qualquer produto destinado à ingestão humana, inclusive os líquidos. Já se sabe, também, que os componentes do vinho, como polifenóis e minerais, podem trazer benefícios à saúde quando consumidos de forma moderada e regular, especialmente durante as refeições. O médico cardiologista Dr. Jairo Monson de Souza, um dos principais estudiosos das relações entre vinho e saúde, preconiza que o vinho é a bebida mais favorável à saúde, se consumido de maneira adequada, por quem não tem contraindicações ao álcool.
Aqui está a primeira reflexão. O vinho contém, em média, 12,5% de álcool. A legislação brasileira proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas para menores de dezoito anos. Essa regulamentação não apenas limita a venda, mas também reforça a ideia de que o consumo de álcool por menores de idade é inadequado. Por isso, relacionar VINHO x BEBIDA ALCOÓLICA x ALIMENTO pode dar origem a criação de mais barreiras à comercialização, como, por exemplo, às advertências mais ostensivas na sua rotulagem. Portanto, o conceito correto a ser defendido não deveria ser simplesmente “vinho é alimento”, mas sim “vinho é um alimento para adultos”.
O segundo aspecto trata ainda das consequências que podem advir da aprovação do Projeto de Lei n° 3.594/2023. No Brasil, o registro de bebidas está afeto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que por delegação da Lei do Vinho e da Lei das Bebidas e seus decretos regulamentadores, prevê um sistema de registro de estabelecimento produtor e de produtos, cabendo a este Ministério o controle e fiscalização sobre a produção e o comércio, bem como as regras de rotulagem e outras.
Já os alimentos, bem como as bebidas sem álcool, estas estão sujeitas às normas do Ministério da Saúde e de sua Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a quem cabe conceder o registro e controlar sua produção e comercialização. É possível, que no caso do vinho suave, onde a grande parte do açúcar é adicionado, seja necessário que no rótulo contenha a expressão em forma de lupa com “ALTO EM AÇÚCAR ADICIONADO”, além de ser obrigatória a publicação da tabela nutricional.
A mudança nas regras de rotulagem, com a necessidade de novos elementos, tornaria os contrarrótulos ainda maiores.
Há o risco de que o vinho, que na visão de Pasteur é a mais sã e higiênica das bebidas, passe a ser tratado pela ANVISA como um alimento qualquer – altamente perecível – criando dificuldades ainda maiores aos produtores.
Por exemplo, a ANVISA já controla os aditivos e coadjuvantes de tecnologia usados na indústria vinícola nacional. Em nome da segurança alimentar a ANVISA proíbe o uso de vários aditivos que, ironicamente, impactam o mesmo consumidor que ela pretende proteger, pois vem incorporados nos vinhos que são livremente importados da União Europeia, Argentina, Chile e outros países. Assim sendo, o rigor pode aumentar ainda mais.
O terceiro ponto a ser analisado é a questão tributária, que parece ser o principal objetivo do projeto. Mesmo que a classificação do vinho como alimento resulte em uma redução de alíquotas, esse benefício não se restringiria à produção nacional. Todos os produtos disponíveis no mercado – tanto nacionais quanto importados – seriam beneficiados.
Alguns produtores têm insistido em sua comunicação pelas redes sociais, a importância deste projeto como forma de apoiar a produção nacional. No entanto, essa é uma meia-verdade. O princípio da reciprocidade tributária determina que um produto estrangeiro pode ter apenas um imposto diferenciado em relação ao nacional: o imposto de importação. No caso de países do Mercosul e do Chile, esse tributo já foi zerado. Além disso, estamos na iminência de entrar em vigor o acordo com a União Europeia, que vai zerar o imposto de importação para produtos do velho mundo.
Portanto, se o objetivo do projeto é fortalecer a produção nacional, o caminho terá que ser outro. O mais eficiente seria a criação de incentivos específicos para a indústria vinícola brasileira, sem impactar os produtos importados. Reduzir custos nas fases produtivas, agrícolas e industriais, pode garantir um benefício real ao consumidor final e, consequentemente, à competitividade dos vinhos brasileiros no mercado.
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