A influência do solo na tipicidade do vinho

A influência do solo naA produção de vinhos de qualidade é o resultado da interação de fatores do meio e das atividades humanas. Portanto, torna-se necessário avaliar as influências dos fatores do meio, como o clima e o solo, e as atividades humanas ligadas à produção e a transformação dos produtos da videira aqui incluindo: seleção de porta-enxertos, variedades produtoras, sistemas de cultivo e tecnologias de vinificação.

 

O clima é determinante no potencial vitícola das regiões. Manifesta sua influência através de seus elementos, como insolação, temperatura, precipitação, dentre outros. A influência direta do solo na qualidade do vinho segue sendo hoje em dia muito discutida. No entanto, ocorre um grande esforço no sentido de listar os parâmetros do solo que apresentam efetivamente maior influência.

 

Numa definição clássica de solo, podemos considerá-lo como o resultado da interação do clima e dos seres vivos sobre determinado tipo de rocha, num dado relevo durante certo tempo: Solo = ƒ (Clima, Organismos, Material de Origem, Relevo, Tempo).

 

Portanto, quando se destaca a importância do clima, do material de origem, do relevo (exposição, declividade) ou de qualquer outro fator sobre a qualidade dos produtos gerados, está-se reconhecendo indiretamente a influência do solo (Figura 1). É através deste, e em particular de suas propriedades, que incidem os fatores do meio sobre a videira e seus produtos.

 

O clima é um fator determinante na formação do solo e nas modificações que nele se realizam, principalmente com os processos de alteração, lixiviação: a) no perfil (profundidade efetiva e diferenciação dos horizontes); b) nas propriedades físicas (estrutura, porosidade, cor do solo); c) na matéria orgânica (acumulação, humificação, mineralização); d) na solução do solo, no pH e no complexo de troca. A importância destas modificações condiciona a qualidade do produto. Ainda, são determinantes as modificações que o solo realiza no clima percebido pela planta, denominado clima do solo (regime de umidade e de temperatura).
Em geral o solo atua como um regulador dos elementos do clima através de suas propriedades: radiação (cor, exposição), temperatura (calor específico), precipitação/aportes de água (granulometria, capacidade de retenção) e evaporação/extração de água (propriedades físicas, porosidade, espessura).

 

O diagnóstico apresentado mostra que está mudando o enfoque na cadeia da produção de vinho, desafiada a se manter competitiva e a agregar valor aos produtos.

 

Produção de vinhos de qualidade
Desta forma, o papel do zoneamento edáfico alcança uma importância muito mais complexa e exigente. Não mais é suficiente identificar áreas com boa aptidão agrícola para a produção. Produzir com qualidade não é mais suficiente para se estar no mercado, já que o mundo está cheio de vinhos de qualidade a preços competitivos. Hoje, há a necessidade de associar ao conceito de qualidade o da diferenciação e da originalidade, associada à origem da produção, ligada ao clima, ao solo e ao saber-fazer dos vitivinicultores (Indicações Geográficas) é de extrema importância e o diferencial.

 

O desafio do zoneamento está em possibilitar o uso dos fatores naturais de forma a possibilitar a seleção de zonas de produção que valorizem a qualidade associada à tipicidade da produção. Os zoneamentos devem possibilitar a gestão do desenvolvimento de territórios, embasado em elementos que assegurem um desenvolvimento ordenado e orientado com bases técnicas consistentes.

 

Os índices climáticos e parâmetros edáficos dos zoneamentos inovam, gerando informações sobre os potenciais regionais de maturação das uvas, incluindo não só açúcar e acidez, como também potenciais de produção de polifenóis, antocianas e componentes aromáticos.

 

Além de possibilitar a gestão da produção vitivinícola (escolha de áreas adequadas para cultivo, eleição de porta-enxertos adequados ao tipo de solo, variedades produtoras, sistemas de manejo), o zoneamento moderno deve conter os elementos técnicos necessários à delimitação de zonas de excelência da produção, onde a tipicidade dos vinhos possa ser percebida pelo consumidor como oriunda da área geográfica de produção, incluindo os fatores naturais e humanos da produção.

 

Não existe um solo ideal para a produção de vinho, mas sim um conjunto ideal de propriedades de solo para um dado clima, com o maior refinamento possível com base numa análise do estilo de destino do vinho e da variedade (Figuras 1 e 2).

 

A irrigação
A inclusão de irrigação provoca um alargamento das características do solo ideal, mas pode também dar origem a uma série de questões de sustentabilidade, tais como sodicidade e salinidade. As principais propriedades físicas do solo é que regulam o volume de solo que pode ser explorado pelas raízes(Figura 3).

 

Este volume é primeiramente controlado pela estrutura do solo. A estrutura do solo é relativa ao arranjo das partículas primárias associado ao espaço poroso entre estas, e afeta direta ou indiretamente tanto aspectos físicos, químicos como biológicos do solo. Isto inclui resistência do solo, movimento da água e nutrientes, aeração, propriedades hidráulicas, trafegabilidade, preparação para plantio, e erodibilidade do solo. O aspecto funcional da estrutura do solo, ou seja, água disponível e aeração são as duas mais importantes características do solo determinantes da sustentabilidade dos solos para vitivinicultura. Estas são propriedades que apresentam certo grau de influência no desenvolvimento da videira, com atenção específica para desenvolvimento radicular e crescimento lento, rendimento e qualidade da baga.

 

O objetivo deste texto é desenvolver o tema como uma orientação na identificação de solos para a produção de vinhos de qualidade. Na cadeia produtiva do vinho é utilizado um número muito grande de tipos de solo para a produção de uva, com grande variação nas suas propriedades. Muitos desses solos têm propriedades estruturais que são favoráveis ao crescimento da videira, alguns na medida em que a videira se torna muito vigorosa, tendo como resultado vinho de qualidade inferior. Outros atributos favoráveis como a profundidade efetiva do solo, textura do solo, capacidade de armazenamento de água disponível ou mesmo o clima podem contornar o excesso de vigor do vinhedo. A profundidade e a textura do horizonte A destes solos também são fatores importantes para determinar a sua aptidão para a produção de vinhos de alta gama. Portanto, um conjunto ideal de critérios edáficos terá de ser alinhado com as diferentes condições climáticas e de acesso à irrigação.

 

Assim, não há um conjunto de critérios que é apropriado para todos os climas. No entanto, a capacidade do solo para drenar teria de ser a única qualidade do solo universal aplicável a todos os climas. Um critério para a profundidade da zona radicular e do estado nutricional do solo é necessário para a seleção do porta-enxerto, da cultivar ou seleção do método mais adequado de manejo do solo para um dado objetivo da produção.

 

Uma vez conhecendo estes parâmetros edáficos procura-se combiná-los de acordo com o clima da região onde está implantado o vinhedo. Quando há um clima mais seco será necessário um solo mais profundo, com textura que armazene mais água (textura e estrutura), porta-enxerto de enraizamento mais profundo e poderá ter níveis de fertilidade natural mais alto, enquanto que num clima mais úmido busca-se um solo com melhor drenagem interna, certa declividade, textura mais leve e níveis de fertilidade natural mais baixo. Isto porque, os nutrientes presentes na solução do solo se movimentam desta para as raízes da videira principalmente por difusão, fenômeno este dependente da presença de certo nível de umidade.

 

Figura 1. Argissolo Vermelho Distrófico na Dunamis,  Vinhos e Vinhedos, em Dom Pedrito/RS.
Figura 1. Argissolo Vermelho Distrófico na Dunamis,
Vinhos e Vinhedos, em Dom Pedrito/RS.

 

Figura 2. Vinhedo da variedade Merlot, porta-enxerto SO4 em sistema de condução espaldeira sob Argissolo Vermelho Distrófico típico A moderado, textura franco-arenosa/argilo-arenosa relevo suave ondulado. Dunamis, vinhos e vinhedos. Dom Pedrito/RS.
Figura 2. Vinhedo da variedade Merlot, porta-enxerto SO4 em sistema de condução espaldeira sob Argissolo Vermelho Distrófico típico A moderado, textura franco-arenosa/argilo-arenosa relevo suave ondulado. Dunamis, vinhos e vinhedos. Dom Pedrito/RS.

 

A videira assim como todas as demais espécies que existem em nosso planeta reage a qualquer ameaça a sua sobrevivência. Esta ameaça pode ser via restrição nutricional, por déficit hídrico, ataque de insetos ou ocorrência de doenças no vinhedo, ou a ocorrência simultânea de dois ou mais fatores. Para cada ameaça a planta reage de determinada forma. Os níveis de potencial da água na folha são fundamentais para a busca da qualidade enológica. É destacado que o balanço hídrico da videira tem influência direta sobre a composição da baga, principalmente no teor de açúcar, na acidez (ácido málico e tartárico) e nos compostos fenólicos (taninos, antocianinas, flavonóides, etc.). Assim, a videira estabelece determinada estratégia de sobrevivência, ou seja: sua perpetuação se faz primeiramente pela semente e esta trata logo de adoçar e aromatizar a casca do seu fruto com açucares, substâncias aromáticas, etc. para atrair principalmente os pássaros, além de mandar para a semente a maior quantidade de taninos, que amargos não são preferidos por seus predadores e com isto ser mais facilmente disseminada. Pois são justamente estas substancias encontrada na casca (concentração e relação casca/polpa) que irão contribuir para a qualidade enológica do produto final. Daí dizer-se que quanto mais pobre o solo (restrição nutricional), quanto maior a restrição hídrica (déficit hídrico), etc.. melhor será o produto final. Isto é verdade apenas até certo ponto. A videira precisa sim de nutrientes e água para produzir. Apenas no período que vai do pintor até a maturação é que devemos lhe impor certa restrição. Por outro lado, os compostos derivados do metabolismo secundário são mais interessantes ao benefício da qualidade enológica e são responsáveis pelas características peculiares do vinho, imprimindo identidade ao produto final com a região na qual foi elaborado. Dentre estes compostos destacam-se os fenólicos que são caracterizados por possuírem um anel aromático com um ou mais substituintes hidroxíli-cos, incluindo seus grupos funcionais. Dentre as frutas, a uva é uma das maiores fontes destes compostos. Nesta espécie os principais compostos fenólicos presentes são os flavonóides (antocianinas e flavanóis), os estilbenos (resveratrol), os ácidos fenólicos (derivados dos ácidos cinâmicos e benzóicos) e uma larga variedade de taninos.

 

Num breve paralelo podemos dizer que: na França a maioria dos solos tem como material de origem rochas carbonáticas originando solos com alta fertilidade, pH elevado, pequena profundidade efetiva e clima com estação seca bem definida com boa amplitude térmica; no Brasil em especial no estado do Rio Grande do Sul, a maioria dos solos tem como material de origem rochas ácidas dando origem a solos de baixa fertilidade natural, pH ácido, boa profundidade efetiva em um clima de elevada precipitação (quente e úmido). A alta fertilidade dos solos franceses é contraposta pela falta de água no momento em que a videira precisa de restrição desta, e em acréscimo, as relações Ca/Mg, K/Mg, etc são mais equilibradas em condições naturais que nos solos gaúchos. Portanto, é preciso analisar com cuidado quando se quer fazer alguma comparação. Cada ambiente apresenta potencial natural para produção de determinado produto (tipicidade) com identidade própria e única. Cabe à gestão vitivinícola buscar os consumidores para seus produtos e/ou desenvolver produtos específicos para seus consumidores.

 

No nosso caso, algumas empresas como a Dunamis, Vinhos e Vinhedosv instalada no município de Dom Pedrito, Rio Grande do Sulv e inserida na região da Campanha no Bioma Pampav apresenta em sua filosofia de trabalho os estudos pedológicos em nível ultra detalhado de seus vinhedos. Pois é a partir destes estudos que são definidos, principalmentev os porta-enxertos, o manejo dos solos (fertilidade, plantas de cobertura, necessidade de água, etc..).

Figura 3. Sistema radicular do porta-enxerto SO4 Dunamis, vinhos e vinhedos. Dom Pedrito/RS.
Figura 3. Sistema radicular do porta-enxerto
SO4 Dunamis, vinhos e vinhedos. Dom Pedrito/RS.

Onde a colheita da uva e a vinificação são realizadas de acordo com as classes de solos que ocorrem no vinhedo a tipicidade do produto final tem seu início na produção de sua material prima. Com isso, quando a uva chega à vinícola, sua homogeneidade já está explicitada em relação aos principais fatores naturais. Se nós imaginarmos que o vinho é um produto do meio (clima, solo, porta-enxerto, variedade, sistema de condução, tratos culturais, etc..) este procedimento vem ao encontro de explicitar a tipicidade da região onde os mesmos são produzidos.

 

Também a Vinícola Miolo, no Vale dos Vinhedos, através de projeto junto a Embrapa Uva e Vinho e Clima Temperado (Projeto viticultura de precisão), se busca maiores informações sobre o ambiente de produção com o intuito de diferenciação da produção. Afinal, na vitivinicultura a produtividade não deve ser a meta, mas sim, a diferenciação e tipicidade da produção.

 

Por Por Carlos Alberto Flores – Embrapa Clima Temperado

Foto: Carlos Alberto flores

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