Uma vida dedicada à agricultura

 

Um número considerável de personalidades italianas desembarcou no Rio Grande do Sul no início do século XX para trabalhar no aprimoramento de técnicas agrícolas e no ensino profissionalizante. Um desses estrangeiros foi destaque no desenvolvimento vitivinícola gaúcho. Trata-se de Celeste Gobbato, que tal como o personagem de nossa história anterior, Stéfano Paternò, veio a convite do governo rio-grandense para introduzir as tecnologias e qualificar a mão de obra. O imigrante italiano, enólogo e viticultor Gobbato tinha 22 anos quando deixou a Itália rumo ao Brasil, em 1912, para lecionar na Escola de Engenharia de Porto Alegre. Trouxe consigo, além do conhecimento adquirido na Universidade de Pisa, a experiência do trabalho na terra. Nascido em 1890, em Volpago del Montello (Província de Treviso), Gobbato era filho de proprietários de terras e conhecia as técnicas agrícolas. Quando chegou ao Rio Grande do Sul muito estava por ser feito em relação aos melhoramentos na agricultura. Verificou in loco as práticas adotadas, ensinou, apontou sugestões e traçou diagnósticos. Contratado para servir ao Instituto de Agronomia e Veterinária, fundado em 1910, logo passou a chefiar a Estação Experimental de Viticultura e Enologia, que ficava junto ao prédio da instituição. Permaneceu na Estação Experimental até 1924.

 

Atuou como professor ambulante da Escola de Engenharia. Tornou-se “popular” entre agricultores, fazendeiros e industrialistas gaúchos em função de ter chefiado o Ensino Ambulante de Agricultura do Instituto Borges de Medeiros, a partir de 1921. Em suas andanças, instruía os colonos para um melhor aproveitamento da terra, acompanhava a implantação de novas tecnologias, apontava as culturas mais convenientes a determinadas regiões e ensinava a combater as pragas.

 

Celeste Gobbato

Gosto pela escrita
Escritor nato, Gobbato se dedicava com afinco a escrita, chegando ao ponto de manter uma cama em seu escritório. Passava as noites lendo e escrevendo. No Brasil, produziu inúmeros artigos e livros técnicos. Logo que desembarcou no país, escreveu textos para a revista italiana Scuola de Conegliano, sobre a cidade de Porto Alegre. “Um rápido passeio pelas estradas dá a entender uma cidade tipo europeu, onde as casas não são construídas como os arranha-céus norte-americano. A vida comercial é ativíssima e a cidade em breve terá um desenvolvimento americano”.

 

Mas, de forma predominante, sua produção literária voltou-se para a vitivinicultura. Escreveu pelo menos três obras fundamentais sobre os vinhos brasileiros. O Manual Prático de Viticultura, publicado em 1914 e reeditado em 1922, 1930 e 1942, foi seu estudo mais importante. Chegou a ser considerada a ‘bíblia’ dos produtores de uva e vinho do Rio Grande do Sul. No livro, Gobbato mostrava sua visão sobre o estado apresentar regiões com condições naturais perfeitas para a produção da viticultura. Alertava para a importância da qualidade das vides para formação de um bom mercado que pudesse libertar o país da importação do vinho. Insistia na idéia de que além da uva e do vinho, uma série de outros produtos secundários poderiam ser aproveitáveis tanto como utilidade imediata como para gerar lucro aos produtores. “Da videira tira-se muito”, escreveu. Suas outras obras A cultura da vinha (1924) e o ABC do viticultor brasileiro (1945) falavam sobre a experiência no campo.

 

Em seus artigos defendia o cultivo de castas europeias como fundamento para uma boa qualidade de vinho que pudesse concorrer no mercado nacional. Sua grande luta foi contra o plantio da uva Izabel – bastante cultivada em solo gaúcho. Na vitivinicultura rio-grandense, escrevia ele, “predominam as vinhas Izabel, Concor, Goethe e outras, cuja uva, se é inferior para mesa, menos apropriada é para a preparação de vinho. A presente crise vinícola (referindo-se aos de 1915 a 1929) deve-se essencialmente à cultura da vide Izabel”.

 

Nas Festas da Uva em que participava defendia as uvas finas. Na edição de 1937, proclamou: “Colono, dedica tua atividade vitícola ao plantio de castas européias. Somente delas poderá esperar a produção de vinhos finos. Colono, não esqueças que cada pé de Izabel de nova plantação concorrerá para desvalorizar tua vindima e contribuirá para agravar ainda mais a crise vitivinícola rio-grandense”.

 

Por mais de trinta e cinco anos foi colaborador da seção agrícola do jornal Correio do Povo, sendo ainda editor-colaborador da revista Egatéa, publicada pela Escola de Engenharia. Em 1920, quando assumiu a direção da revista, empreendeu uma remodelação em seu formato, com a inclusão de novas seções e de tradução em italiano e alemão nas páginas da ‘Notas Rurais e Doméstica’. Isso com o intuito de facilitar a divulgação nas colônias do Rio Grande do Sul e no exterior.

 

Política
Por ser um grande conhecedor do assunto, constantemente era requisitado para fornecer ensinamentos. Recebia estudantes e colonos em casa para dar conselhos sobre questões agrícolas, sua grande paixão. “Meu pai varava a noite estudando e escrevendo”, contou a filha Lydia Gobbato, em depoimento a Katani Maria Nascimento Monteiro, autora de artigo sobre Celeste Gobbato.

 

Sua fama de homem que prezava o ofício se espalhou e a forte ligação com a cultura do vinho, levou-o a tornar-se político. Entre 1924 a 1928, foi eleito intendente do município de Caxias do Sul. Católico, interessado pela vitivinicultura, agradou a elite caxiense e a própria população. Em discurso alentou: “Longe, muito longe de mim, meus senhores, estava a ideia de poder ser um dia escolhido para candidato a intendente de qualquer que fosse a localidade. Minha vida exclusivamente ocupada na solução dos problemas agrícolas, lidando no campo, no livro, colhendo aqui o fruto da experiência para ali divulgá-lo entre agricultores”.

 

Assim era Celeste Gobbato: dedicado as causas agrícolas. Escreveu sobre vinhos até os 64 anos, quando a doença, que o vitimou em 1958, não permitiu que continuasse suas escritas. Foi homenageado em sua terra natal, na Itália, com o título de ‘Um inovador no mundo’, recebeu a alcunha de cidadão caxiense, é nome de escola agrícola e tem uma rua com sua nominação em Porto Alegre. Nada mais justo, para esse italiano que lutou pela vitivinicultura brasileira.

 

Fontes
História de Caxias do Sul, de João Spadari Adami; Faces da presença e da participação de imigrantes na história do Rio Grande do Sul: aspectos da trajetória de Celeste Gobbato (1912-1924), de Katani Maria Nascimento Monteiro; http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho

Por Danúbia Otobelli
Foto: Reprodução

Gobbato na Estação Experimental de Vitivinicultura.

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