O retorno das ânforas de cerâmica: inovação com alma ancestral na vitivinicultura brasileira

Projeto brasileiro desenvolve ânforas de cerâmica modernas para vinificação e envelhecimento, resgatando uma prática milenar com foco na expressão do terroir

O uso de ânforas de cerâmica para vinificação e envelhecimento de vinhos, prática com mais de 8 mil anos originada na Geórgia, volta a ganhar espaço no Brasil — desta vez, com um olhar técnico e inovador. À frente desse movimento está o engenheiro de materiais e técnico em cerâmica Fábio Melchiades, que lidera a startup Badicer, especializada na produção de ânforas de alta performance para uso enológico.

“Trabalho com materiais cerâmicos há 30 anos e sempre fui apaixonado por vinhos. Quando conheci os vinhos de ânfora e entendi o potencial dessa técnica para valorizar o terroir, vi a oportunidade de unir conhecimento técnico e paixão pessoal para desenvolver algo novo no mercado brasileiro”, conta Melchiades.

Segundo ele, a proposta responde a uma demanda contemporânea: a busca por vinhos menos padronizados e com mínima intervenção. “Há uma tendência mundial em retomar técnicas que permitam maior expressão do caráter da uva e do local de origem, sem os aportes sensoriais intensos da madeira”, explica.

Diferentemente dos recipientes rudimentares utilizados historicamente, as ânforas desenvolvidas pela Badicer são produzidas com massa cerâmica semelhante à louça de mesa e queimadas em fornos elétricos a temperaturas da ordem de 1.200 °C. Isso garante alta inércia química, estabilidade térmica e controle preciso da porosidade.

“As nossas ânforas permitem a micro-oxigenação, tal como ocorre nas barricas, mas sem transferir aromas ou sabores para o vinho. E, ao contrário dos modelos antigos, não precisam de impermeabilizantes como resinas ou ceras, que alteravam o perfil sensorial da bebida”, destaca.

Hoje, cerca de dez ânforas da Badicer estão em uso em vinícolas espalhadas pelo Brasil — de São Paulo ao Rio Grande do Sul, passando por Minas Gerais, Pernambuco e até o Mato Grosso. Os primeiros rótulos produzidos nelas estão começando a chegar ao mercado.

O uso de ânforas ainda é considerado uma prática de nicho, com forte adesão entre produtores de vinhos naturais. “Participamos da Feira Naturebas, em São Paulo, e percebemos que há grande interesse por parte de consumidores jovens, conectados à sustentabilidade e autenticidade dos produtos”, comenta Melchiades. “Esse perfil busca vinhos que expressem com fidelidade as características da uva e da região.”

Além dos tintos de inverno elaborados no Sudeste e de experiências com Pinot Noir, o engenheiro prevê novidades na próxima safra: “Tenho certeza de que em 2025 veremos também vinhos brancos sendo elaborados em ânfora.”

Vinho de ânfora, sim. Mas com garrafa de cerâmica?

A inovação vai além do processo de fermentação e envelhecimento. A Badicer acaba de lançar um novo projeto: garrafas de cerâmica. A proposta é permitir que o vinho continue sua evolução mesmo depois de engarrafado, com os mesmos princípios de micro-oxigenação das ânforas.

“É uma extensão natural do conceito. Estamos trabalhando para que, em breve, os consumidores encontrem no mercado vinhos engarrafados em cerâmica”, adianta.

Apesar do entusiasmo, Melchiades reconhece os obstáculos. O principal deles, segundo ele, é cultural: “Muitos ainda acreditam que vinhos de alta qualidade precisam passar por barricas. Essa ideia, herdada de práticas como as dos Gran Reserva espanhóis, ainda é forte, mas começa a ser questionada pelas novas gerações.”

Outro desafio é a escala de produção. “Somos uma empresa jovem, com um ano de existência. Ainda temos custos elevados e baixa escala, o que limita a competitividade. Mas acredito que, com o crescimento do mercado, poderemos ampliar a produção e reduzir custos.”

Melchiades conclui com otimismo: “Independentemente da nossa empresa, acredito que os vinhos de ânfora vão se consolidar no Brasil nos próximos anos. Eles representam um caminho para a valorização do terroir e da identidade regional da vitivinicultura brasileira.”

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